segunda-feira, 14 de maio de 2012

Um fantasma e uma tatuagem.




Um dia ouvi dizer que o diabo comprava almas. Não pensei duas vezes, tamanha a minha já então latente desilusão. Fui direto para as ruas tentar vender a minha. Procurei por ele em todos os lugares que falaram que ele morava.  Alimentei todo o meu ódio na esperança que um dia a gente topasse por aí numa esquina.  Mas só encontrei o amor. E essa foi a minha ruína. 

Talvez tenha procurado nos lugares errados. Passei pelos prostíbulos e percebi que as putas também amam. Passei pelos bares e percebi que são apenas pessoas que não encontraram nada. Corri pelas ruas e vi pessoas querendo que fossem encontradas. E nunca são. Fui estudar com um bando de feios e fiz amizade com todos eles. Só encontrei amor. 

Desisti finalmente da minha busca implacável pelo mais belo feio e me rendi aos encantos efêmeros da futilidade. Esses sim, verdadeiros sedutores. Ao desistir da minha busca pelo mal acabei encontrando o amor e isso sim foi a minha ruína.  Tava disposto então a esquecer meus pesadelos no meio da madrugada e viver um vida normal. Um bilhete bastou. O brilho do maldito olhar que nunca mais me deixou em paz. Todos os sonhos enlatados finalmente aparecem. Filhos, uma casa no campo para os finais de semana. Oito mil metros pensando nela em queda livre. Um fantasma e uma tatuagem.

 Oito mil metros se passam em oito minutos, oito meses. Um ou dois a mais de lágrimas. Se foi e tenho certeza de que nunca mais voltará. Todos os dias penso nela e venho admitir publicamente que sinto uma pequena dor. Mas é disso que os homens gostam, de sentir dor. Uns sentam em um bar, outros não se sentam nunca apenas para esquecer. E eu prefiro sentir a minha dor todos os dias assim. Só por saber que no final das contas os pesadelos na madrugada continuam, mas são pesadelos de amor.

Descobri então que finalmente encontrei o diabo. E que naquele bilhete assinei o meu contrato vendendo a minha alma. E nunca mais teria paz, nunca mais. Qualquer olhar, qualquer seio será sempre uma lembrança. E quando desisti de procurar foi quando encontrei, pra sempre. Tento fugir, mas quando penso que consigo algo me traz de volta e perco novamente o sono.  Procuro em todos os carros da rua, em todas as garotas. Na esperança de olhar novamente naqueles malditos olhos que brilham e perceber que não há mais magia alguma, é apenas uma ilusão. E quem sabe poder ser livre novamente. Mas, acho que não.



segunda-feira, 7 de maio de 2012

Ressaca de sonhos


Escuto um barulho que me seduz. Hesito em continuar dormindo mas o sono insiste em se despedir. Em um primeiro momento não a reconheço. E logo, percebo. Aquela melodia já conhecida de outros tempos toca suavemente no rádio. Acordo assustado. Olho para o chão e o pavor me domina completamente. Não tenho absolutamente a menor idéia de onde estive . Folhas rasgadas cheios de texto, escritas por mim que também não me lembro. Roupas pelo chão e garrafas vazias. Resolvo fumar um cigarro e percebo que todas as minhas caixas estão vazias e meus isqueiros não funcionam. Me deparo com meu reflexo no espelho e novamente o pavor me domina. Estou barbudo, gordo e com o cabelo bagunçado. Estou velho.
   
  Tento com bastante esforço me lembrar o que aconteceu antes que eu adormecesse e não me lembro. Pego os jornais que o carteiro jogou por cima do muro e percebo que tudo mudou. O país está completamente diferente.  Me pergunto aonde estarão meus amigos e se eles mudaram tanto quanto eu. A minha casa completamente abandonada com seu aspecto desolador. E pelo contar das datas dos jornais, dois anos se passaram em minha vida. Dois anos de completo sono e agora acordo, gordo e barbudo e já não sei mais nem quem eu sou. Talvez estivesse cansado e quis dormir. Talvez tenha bebido demais. Talvez me atacaram de forma traiçoeira pelas costas, ou pela frente mesmo. Os jornais me apavoram. Alguns perguntam aonde estaria o proeminente escritor boêmio, outros perguntam além, por onde andaria minha inspiração ou se já as tive. 
   
  Há dois anos atrás me lembro que uma das grandes paixões da minha juventude morreu em minhas mãos. O jornalismo se foi e deixou a dúvida se algum dia chegou a existir. Qualquer semelhança com uma história de amor não é mera coincidência. Se eu bebi pra chegar até aqui, foi pra esquecer de uma assim.  Resolvi encarar os fatos e fugir da magia. Talvez tenha dormido lendo um livro de história, sempre foram tão chatos, os fatos. Me lembro de muita pouca coisa. Um amor talvez, um jornal, alguém correndo em um parque com uma tatuagem nas costas que não era minha, nem a tatuagem e muito menos o amor. Só me restou correr.
 
   Criticaram minha semântica textual. Abandonarei as referências. O país mudou e música que toca também um dia muda. Mas cada vez com menos referências. Cada vez com menos graça, essa vida... Um dia muito oportuno para voltar, amanhã é aniversário dela e já faz 10 anos que a conheci. E foi nesse dia que comecei a morrer e nunca mais parei.  Talvez a culpa não seja dela. A vida quis assim, que eu trilhasse esse caminho da dor. Espero que um dia minhas palavras tenham finalmente algum valor. Ou não.  Tenho que ir, procurar meus amigos, que provavelmente desistiram de me acordar e estão por aí. Começarei com aquele italiano safado, que deve estar em alguma esquina com sua boina fumando com garotos 10 anos mais jovens que ele. Preciso saber de tudo e depois, quem sabe voltaremos a escrever.

  © Blogger template 'Perfection' by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP