segunda-feira, 5 de abril de 2010

Pendrive

No embalo das rodas da minha bicicleta, descia eu sem freios pelo rua sem carros. Abri os braços , senti a brisa fresca no meu rosto e fechei meus olhos. Aquela sensação parecia durar horas, mas sabia eu, que não dariam nem dez segundos pra ir de cara no muro. Foda-se, aquela brisa no meu rosto me fazia lembrar de coisas tão boas que, nem o perigo de poder morrer no baque do muro, me fez botar as mãos no guidão para desviar daquela morte certa. Tão poucos segundos e minha visão havia oscilado. Abri os olhos e estava eu ali no chão todo ensanguentado, todo quebrado, desfigurado, irreconhecível. Tentei fazer-me levantar, segurando pelo braço e puxando para um lugar onde as pessoas pudessem me ver, não saia do lugar, muito pesado. Aquela brisa fria no meu rosto agora não era nada, não sentia nem o cheiro de morte do meu corpo ali estirado no chão, não sentia as dores das feridas no meu corpo, não sentia nem meu coração bater dentro de mim. Caminhei para um mundo sem volta, minha mãe sempre me disse para nunca arrepender-me das próprias decisões, mas agora me arrependo disso. Quero voltar, quero viver. Sai correndo para o rumo do barulho no outro quarteirão, vi inúmeras pessoas, todas mal vestidas, umas cobertas de sangue, assim como eu, e todas caladas esperando a sua vez. Olhei para o começo da fila, vi um cara gordo de óculos, uma barba mal feita, a camisa branca aberta no quarto botão, sentado num escritório meio improvisado ali no meio da rua. Fui andando rumo aquela mesinha cheia de envelopes com muitos papéis e perguntei ao homem gordo, " o que vocês fazem.." e o homem gritou sem deixar eu completar a pergunta, " vá lá pra traz e espere a sua vez ". Eu me assustei com aquela tremenda grosseria do cara, e as pessoas que antes estavam cabisbaixas, olharam pra mim todas ao mesmo tempo. Fingi que meu cadarço havia desamarrado, abaixei e desfiz o nó e refiz-o novamente. Levantei andei até o fim da fila e esperei. Como toda fila demorada, essa não andava nem um passo sequer. Esperando lá, mas sendo eu muito inquieto, fui mexendo nos meus bolsos e achei algumas coisas, duas bolinhas de papel, algumas moedas, uma foto 3x4 de uma menina e um pendrive. Coloquei tudo na minha mão e tentei descobrir porque tudo aquilo estava no meu bolso. Fui tentando lembrar das coisas que tinha feito antes do meu acidente, mas não lembrava nem o que eu tinha comido no café da manhã desse dia. Desenrolei uma das bolinhas e li o texto que estava escrito ali. Depois de dois minutos lendo a carta, me lembrei de alguns flashes do que tinha feito naquela manhã de domingo. Tinha dormido na casa de uma mulher muito bonita, loira, engraçada, risonha, que estudava na mesma faculdade que eu. Não me lembro bem os detalhes da minha vida, pois mesmo me lembrando vagamente do acontecido, lembrava claramente daquele belo rosto. A foto 3x4 era dessa mulher, olhei para a foto e pude ter certeza que a casa onde eu estava nessa manhã era dessa mulher. Desenrolei o outro papel e li atenciosamente o outro texto, percebi que a carta era algo triste, algo que teria acontecido e fez com que essa mulher escrevesse pra mim, mas antes aquelas palavras de amor, agora palavras de ódio, raiva e desprezo. Embaralhei tudo que tinha lembrado naquele momento, não sabia se éramos um casal, éramos amigos, namorados, não me lembro. Aquela fila decidiu dar um passo depois de uns trinta minutos. Não me preocupava mais aonde eu estava e por que, não sabia se aquela fila era pro céu ou pro inferno, mandei todo mundo tomar naquele lugar e saí correndo. Corri morro acima, tudo que eu havia descido em dez segundos agora eu sentia na pele aquela subida extremamente inclinada. Coloquei tudo de volta nos bolsos, mas deixei a foto na palma fechada da minha mão. Isso tudo me fez acreditar no que eu não tinha certeza dos fatos. Sai virando ruas e ruas sem muita atenção aonde virava, mas algo no fundo, no fundo do meu coração me fez acreditar que aquele era o caminho certo, que as ruas que virei eram como se algo pontilhasse no chão gotas imaginárias, me fazendo correr mais e mais até chegar num portão vermelho. Assim como eu corria sem saber, mas sabendo inconscientemente aonde ia, fora também o mesmo sentimento que fez-me parar ali de frente aquele portão vermelho. Olhei pra cima daquele portão, tinha uma janela muito alta, uns quatro andares acima que me fez lembrar de algo, que me fez olhar para aquela janela. Tudo naquele momento até então não fazia sentido algum, mas sabia que tudo tinha sentido. Toquei o interfone daquele portão e esperei uns segundos, uns dez segundos se passaram e minha ansiedade não me deixava esperar nem mais um segundo, toquei novamente e me sentindo o homem mais feliz e bobo de todos os tempos, toquei o interfone no tom de cantoria, na esperança de provocar irritação de uma pessoa que poderia estar dormindo e se acordar com essa barulheira do maldito interfone. A minha impaciência era gigantesca e dei uns três toc-tocs no portão, fazendo aquele barulho, mas batendo no portão algo cai no meu pé. Olhei pra baixo e o objeto meio metálico tinha caído no trilho do portão. Abaixei peguei aquilo, visto que era um chaveiro com duas chaves. Olhei para a chave e sem muita dúvida abri o portão sem errar a chave com a fechadura, entrei, tranquei novamente e andei rumo a escada em espiral no final do corredor. Parei de baixo da escada, olhei pra cima, e meio sem paciência fui subindo rapidamente pulando dois degraus por dois degraus. Cheguei em menos de dez segundos no quarto andar, em meio a quatro portas olhando inconscientemente para uma delas fui abrí-la. Dei duas voltas na fechadura e dei um empurrãozinho na parte de baixo da porta para desemperrá-la que já estava cedendo a um tempo. Como eu sabia daquilo tudo não sei, só sei que sabia. Fui andando rumo ao quarto, abri a porta que estava entreaberta e olhei curiosamente para todos os lados procurando alguma coisa, e nada eu via. Olhei na cozinha e nada, andei por todo apartamento e não achei nada, aliás, não achei minha loira da foto, escritora daquelas cartas. Tirei tudo do bolso novamente e pegando tudo algo ficou meio preso na minha mão, que cai no chão. O pendrive. Ele era meio detonado, a pontinha dele estava suja, a chave que recolhia a ponta estava quebrada, em meio de tudo aquilo, a única coisa que eu não era ciente da existência, era aquele trem todo fudido que tinha acabado de cair no chão, quebrando mais um pedaço da capinha que revestia o HD já toda estragada e arranhada. Abri minha mala que tinha começado a fazer antes de me aventurar morro abaixo naquela bicicleta sem freios, peguei meu MacBook , botei o pendrive no buraco do USB, e em dois segundos abriram quatro pastas, uma com o número um, outra com o dois, depois três e quatro, todas na ordem. Cliquei duas vezes na primeira pasta e abriram-se umas fotos. Selecionei todas as fotos comand+A, com o botão direito do leptop abri as fotos no modo de visualização, olhando minha linda mulher dos cabelos louros, me senti melhor, mais muito melhor do que quando estava em cima da bicicleta com aquela brisa nos olhos. Fiquei muito feliz em ver aquelas fotos, visualizei todas, e abri a segunda pasta, mais fotos da minha loira, só que dessa vez eu estava nas fotos junto com ela, olhei todas e abri a terceira, mais fotos minhas junto com minha loira. Na quarta pasta, senti que algo afetou meus breves momento de felicidade naquele instante em que via as fotos, como sou um ser humano como outro qualquer, pressenti que algo revelador viria a ser uma surpresa absurda. Sem enrolar demais, dei dois cliques na pasta e um movie, o quicktime movie estava ali. Mais impaciente ainda abri o vídeo. Minha loira tinha feito um vídeo, e já começou falando. " Estou aqui para te dizer que espero-te na fila, somos os próximos, não se atrase, temos muita vida pela frente", ela com o seu humor negro, quando falou "vida pela frente" ela fez o gesto de quando se colocamos aspas nas palavras que falamos. Aquilo tudo começava a dar sentido, mas eu na minha primeira atitude antes de pensar em qualquer coisa, corri novamente para aquele lugar, sai descendo as escadas mais rápido que tinha subido-as, e peguei a bicicleta sem freios da minha loira e pelo mesmo trajeto que fiz na vinda eu fiz na volta. Virei a direita a esquerda e cheguei na avenida, sem carros e desci sem freios.

2 comentários:

Yuri Montanini 6 de abril de 2010 às 13:55  

Como num ciclo. Torna a bater de frente no muro, como na vida. Não aprendemos com nossos próprios erros. Errar é, sem dúvidas, o verbo mais humano. E perdoar é o verbo mais puro.

Seria ela então a loira da ladeira...

... Ou da escada?

;*

Pedro Henrique Malta Martins 7 de abril de 2010 às 00:17  

caralho, n li o texto, mas pelo titulo ja soltei, esse é do cocola

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