segunda-feira, 7 de maio de 2012

Ressaca de sonhos


Escuto um barulho que me seduz. Hesito em continuar dormindo mas o sono insiste em se despedir. Em um primeiro momento não a reconheço. E logo, percebo. Aquela melodia já conhecida de outros tempos toca suavemente no rádio. Acordo assustado. Olho para o chão e o pavor me domina completamente. Não tenho absolutamente a menor idéia de onde estive . Folhas rasgadas cheios de texto, escritas por mim que também não me lembro. Roupas pelo chão e garrafas vazias. Resolvo fumar um cigarro e percebo que todas as minhas caixas estão vazias e meus isqueiros não funcionam. Me deparo com meu reflexo no espelho e novamente o pavor me domina. Estou barbudo, gordo e com o cabelo bagunçado. Estou velho.
   
  Tento com bastante esforço me lembrar o que aconteceu antes que eu adormecesse e não me lembro. Pego os jornais que o carteiro jogou por cima do muro e percebo que tudo mudou. O país está completamente diferente.  Me pergunto aonde estarão meus amigos e se eles mudaram tanto quanto eu. A minha casa completamente abandonada com seu aspecto desolador. E pelo contar das datas dos jornais, dois anos se passaram em minha vida. Dois anos de completo sono e agora acordo, gordo e barbudo e já não sei mais nem quem eu sou. Talvez estivesse cansado e quis dormir. Talvez tenha bebido demais. Talvez me atacaram de forma traiçoeira pelas costas, ou pela frente mesmo. Os jornais me apavoram. Alguns perguntam aonde estaria o proeminente escritor boêmio, outros perguntam além, por onde andaria minha inspiração ou se já as tive. 
   
  Há dois anos atrás me lembro que uma das grandes paixões da minha juventude morreu em minhas mãos. O jornalismo se foi e deixou a dúvida se algum dia chegou a existir. Qualquer semelhança com uma história de amor não é mera coincidência. Se eu bebi pra chegar até aqui, foi pra esquecer de uma assim.  Resolvi encarar os fatos e fugir da magia. Talvez tenha dormido lendo um livro de história, sempre foram tão chatos, os fatos. Me lembro de muita pouca coisa. Um amor talvez, um jornal, alguém correndo em um parque com uma tatuagem nas costas que não era minha, nem a tatuagem e muito menos o amor. Só me restou correr.
 
   Criticaram minha semântica textual. Abandonarei as referências. O país mudou e música que toca também um dia muda. Mas cada vez com menos referências. Cada vez com menos graça, essa vida... Um dia muito oportuno para voltar, amanhã é aniversário dela e já faz 10 anos que a conheci. E foi nesse dia que comecei a morrer e nunca mais parei.  Talvez a culpa não seja dela. A vida quis assim, que eu trilhasse esse caminho da dor. Espero que um dia minhas palavras tenham finalmente algum valor. Ou não.  Tenho que ir, procurar meus amigos, que provavelmente desistiram de me acordar e estão por aí. Começarei com aquele italiano safado, que deve estar em alguma esquina com sua boina fumando com garotos 10 anos mais jovens que ele. Preciso saber de tudo e depois, quem sabe voltaremos a escrever.

1 comentários:

Leandro Gel 9 de maio de 2012 às 13:20  

Cara, viajei no texto. Massa!

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