quinta-feira, 19 de maio de 2011

Dois gatos

Pedro era empacotador de supermercado, negro, um metro e setenta e seis, gostava de Rush e de jogar dominó. Laís gostava de The Strokes e vestia Zara, tinha 19 anos, vez ou outra fumava maconha, abandonou jornalismo pra cursar publicidade e queria pilotar um avião.

Muitas coincidências, como o bom e velho clichê do amor das novelas globais exige e impõe a todos aqueles que tentam fugir disso e se apaixonar por uma gordinha, um caolho ou um cara que tenha uma pinta no pescoço. Óbvio, como o nerd que se apaixona pela menina mais bonita da sala ou a excluída que goza pensando no jogador de basquete.

Eles ficaram pela primeira vez num churrasco que o carinha do cursinho do Pedro organizou, depois de duas ou cinco doses de tequila. Trocaram msn e conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer. Ela mentiu, ele acreditou, ele mentiu, ela não acreditou. Subversão naturalmente forçada das coisas, onde o cara é sempre cretino e engana a menininha inocente que jura ser virgem.

Seria como fazer algo que todo mundo sabe como faz, mas que ninguém consegue, de fato, fazê-lo. Construir um galpão, sei lá. Alicerce, piso, paredes, telhado, tinta. E se eu fosse Deus, iria falar com voz de trovão que esse é o grande segredo da coisa toda: Não tente planejar nada, quem manda nessa porra sou eu, puta que pariu, caralho... Enfim.

Iria soar meio caricato, mas e daí? Quem de nós nunca foi apenas uma caricatura debochada ou ainda um rascunho do que costumava ser? E hoje em dia, como é que se faz? E hoje em dia, como é que se diz 'eu ainda te amo'?

Laís e Pedro ficaram juntos por um tempo, alguma coisa entre o ano novo e a semana santa. Ele a traiu, ela não sabe e nem vai saber. E nem precisa. Palavras que não precisam ser repetidas ou que por incoerência, teimam em sair e tornar o jogo cada vez mais denso.

Ela às vezes fica com mulheres, Pedro agora fuma crack e deve morrer em breve. Da última vez que se encontraram, mal se falaram. Ela é apaixonada por dois caras e não se importa mais com ele. E Pedro é muito bom ator. Dois gatos trepando no muro, mas nada faz mais a menor diferença agora.

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