quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Criatura Mágica Antropofágica

Num futuro desses não muito distantes, como se dizia antigamente quando o futuro ainda era não era retrô, um velho apaixonado por e-stórias olha o mediterrâneo pela janela. No rádio um jogo do Goiás com o experiente técnico Felipe Amorim fazendo um bom trabalho. Na janela da frente, o mar, algumas pipas. Na janela dos fundos, já era noite, algumas prostitutas na beira da Belém-Brasília e um garotinho passa no carro com seus pais , uma parati 99 rumo a Palmas, a recém criada capital. No meio dessa selva de pedra, vivia refugiado nesse quarto de hotel. Nessa profusão de um quadro modernista, em que passado e presente se misturam nessa profusão de sensação clara ou escura. A poesia está em todas as coisas. Tudo é poesia. Cansado disso, resolveu parar no tempo no auge da sobrevivência da verdadeira poesia. Antes era vida com poesia. Hoje é poesia com um pouco de vida. Todos se drogam. Nos anúncios de cigarros subliminares em um belo rosto feminino ou nos campos de futebol. Ele também se droga. Hoje é um dia difícil, já fazem 63 anos da morte da sua esposa e faltam 2 semanas pra 30 que nunca vê o único filho. Lembra do filho pequeno, de quando jogavam bola, sente uma lágrima presa, que nunca sai e revira na garganta como um espinho. Olha pra prateleira e pega o mais pesado que tem. Gessinger Licks e Maltz, de quando a poesia fazia parte da vida e o futuro ainda não era retrô. Das tardes compulsivas jornalísticas escutando sem parar essa santíssima trindade exclusiva da inspiração.


Coloca o disco na agulha e logo as sensações penetram seu corpo. Por um segundo que precede a alucinação olha pro velho de boina no espelho e se assusta com a mesma frase que nunca cansou de se repetir . Como a vida passa rápido. Lembra daquela criatura mágica antropofágica. Numa dialética etílica compulsiva que se consome a cada palavra. Uma criatura que a cada palavra que diz se consome e se reinventa, modificando a existência e renovando a poesia que a mesma, cada vez mais diluída. Uma palavra dita, que nunca volta e golpeia com ferocidade todos os presentes na mesa com crueldade deixando cicatrizes malditas que nunca irão se curar. Essa dor alheia provoca prazer e instiga a produção de novas palavras que irão voltar, serão consumidos e devolvidas, reinventadas, regurgitadas.


Parabéns criatura antropofágica transcendental que me persegue. Você mudou de sexo, cor e rosto. Mas continua a mesma. Na igreja da infância, nos campos de futebol, nas estradas, na faculdade, ouvindo sampa no walkman, na mesa de um bar, de um puteiro, do primeiro almoço na casa da namorada e do primeiro livro lido. Me diga, o que você entendeu desse livro? Não sei, existe algo para se entender? E essa lágrima maldita, que nunca vai sair.


Obrigado, antropofagia dialética transcendental. Obrigado pela amizade, pelo amor, pelos delírios. A vida que ia passar, passou, mas o segredo, como já se diz é fingir que entende. Pelo menos assim, há uma tentativa de renovação. Triste destino, engolir sem mastigar.

Obrigado, amizade transcendental.

Então nessa interlocução alucinada o velho sobe no prédio mais alto da última metrópole grega, numa montanha alta dessas do interior do brasil, olha São Paulo do alto, Goiânia de dentro pra fora. O velho é um jovem suado que acabou de jogar futebol na casa do gordo. O jovem é uma criança inocente que não sabe mentir. A criança é um velho que nunca aprendeu e sempre que encontra uma altura sente vontade pular. E quem sabe, voar.

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