quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Grateful Dead - "Europe '72"


...mas aqui, queridos leitores, eles criaram mágica.

Quem conhece o Grateful Dead sabe que sua longa trajetória pode ser resumida em uma palavra: espontaneidade. Seja em sua vertente mais experimental ou na faceta country explorada no início dos anos 70, os malfeitores californianos sempre estiveram mais à vontade na estrada que no estúdio, fazendo com que cada apresentação ao vivo soasse única, com um repertório que desfilava uma infinidade de canções, acompanhadas de jam sessions igualmente infinitas.

E justamente essa espontaneidade, louvada pelas centenas de deadheads – seguidores fanáticos do grupo, que consideravam o compositor, cantor e guitarrista Jerry Garcia uma espécie de guru –, era, em algumas ocasiões, sua pedra de tropeço. Quando o Grateful Dead subia ao palco, as harmonias vocais, a afinação dos instrumentos e a precisão das notas tocadas não pareciam estar bem em primeiro plano.

Acontece que, em 1972, dois anos após o lançamento da notável dobradinha ”Workingman’s Dead”/”American Beauty”, considerada o mais bem sucedido período do Dead dentro do estúdio, a americaníssima banda resolveu dar suas voltas pela Europa, em uma turnê gravada, empacotada e lançada sob a apropriada alcunha de “Europe ‘72”. E o que eu posso dizer com toda a certeza é que o velho continente fez muito bem aos cowboys psicodélicos de São Francisco.

No LP triplo, também lançado em CD duplo numa edição caprichada da Rhino, a banda soa coesa e, ao mesmo tempo, absolutamente natural, fazendo fluir um som livre e incrivelmente aconchegante. Existe alguma coisa misteriosa que permeia todo o registro; algo que não pode ser estudado nem planejado. Simplesmente era pra ser assim.

O disco começa com “Cumberland Blues”, que parece ter sido extraída de uma mina estadunidense no início do séc. XX. Aqui a canção adquire muito mais brilho que em sua versão original, assim como “China Cat Sunflower” que, unida à tradicional “I Know You Rider”, formam uma única peça de incrível impacto. As guitarras de Garcia e Weir desenham a música de modo a elevar a imaginação e o espírito do ouvinte a alturas nada seguras. O coro final nos trás de volta à terra firme, num pouso que causa imediatas saudades da viagem.

É impossível ouvir as rurais ”He’s Gone”, “Ramble On Rose” e “Tenessee Jed” sem cantarolar suas melodias por semanas a fio, ou não sentir fortes ondas de emoção com “Morning Dew” e “Looks Like Rain”, essa última lançada apenas como faixa bônus na já citada edição em CD. Pra levantar a poeira amontoada no solado das botinas de couro, temos “One More Saturday Night”, “Sugar Magnolia” e “Mr. Charlie”.

Como ponto negativo, só posso citar a enrolação presente em “Truckin”, “Epilogue”, “Prelude” e nas faixas bônus que sucedem “Looks Like Rain”, todas contendo aquelas jams arrastadas que perdem a atenção dos ouvintes... digamos... mais sóbrios. Nada que comprometa, contudo, o status de Um Dos Melhores Discos Ao Vivo Que Eu Já Ouvi Em Minha Vida que o fabuloso “Europe ‘72” conquistou, mesmo que sem muita pretensão.

E aqui vai uma dica do João: da próxima vez em que você estiver pegando uma estrada, sozinho em seu carro, tendo apenas o silêncio da madrugada como companhia, jogue uma moeda na jukebox, ajeite o chapéu e acenda seu cigarro de palha. Seja qual for seu destino, ele vai parecer ter chegado cedo demais enquanto o velho Dead estiver rolando nos alto-falantes.

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