domingo, 27 de novembro de 2011

Capítulo Dois

Pra acordar, já vou sair pra trabalhar. Uma rosa na mão esquerda, na outra mão um cartão com desenho. E o monitor de 22 polegadas fica maior que o estacionamento da faculdade. 140 caracteres. Eu tenho um sapato, um sapato branco. Eu tenho um cavalo, um cavalo branco. Eu tenho um riso, um riso amarelo. Cigarros. Nem 5 minutos guardados dentro de cada um deles. 

É muito mais fácil escrever. É novembro. Você me deixa nervoso e eu não consigo falar. E eu não posso fazer as falas como eles falam na TV. Um Romeu apaixonado canta na rua uma serenata. E eu, ainda encantado, continuo mandando cartas. Por vezes penso que você fica ofendida, resmungando que eu não deveria vir aqui, escrever pras pessoas dessa maneira. Mas eu sei que você pode se apaixonar por belos estranhos e pelas promessas que eles fazem. 

Eu, por exemplo. Eu tenho uma bicicleta. Você pode andar nela, se quiser. Ela tem uma cesta, uma campainha que toca e coisas que a fazem parecer boa. Eu a daria a você se pudesse, mas a peguei emprestada. Você é o tipo de garota que se encaixa no meu mundo. E mais uma vez tá aí você, sonhando acordada sentada. Amanhã tem prova de TGP. 

Me diz como é que eu faço, me diz como é que eu posso te encontrar mais uma vez, pela primeira vez. Tão só, tão só. Com o universo ao meu redor. 

Desculpa o cartão molhado, 

é que em novembro sempre chove a tarde.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Morte a todos os malditos índios urbanos




E O PRÊMIO VAI PARA ZÉ BOKINHA, POR ENVERGONHAR O NOME DA POESIA CONCRETA MUNDIAL!


Ao sair da premiação, de luvas brancas, gravata-borboleta vermelha e smoking de um preto impecável, pus-me a refletir:


Será que o preto impecável que me emprestou esse smoking vai se aborrecer se eu lhe disser que...


O pensamento foi interrompido. Às 3h41, na Oskley Avenue, morre Zé Bokinha, vítima de uma flechada na cabeça.

sábado, 19 de novembro de 2011

Querido louco,



Nunca entendi bem porque as cartas começam sempre com “querido”. Procurei num dicionário de sinônimos um jeito melhor de começar, mas percebi que é algo tão clássico que é melhor deixar pra lá. Pois bem, tanto tempo que deixei de te escrever, talvez por não ter obtido respostas das últimas vezes em que te enviei cartas. Lembro-me com saudade nos olhos e no coração das raras vezes em que me materializei na sua existência. Lindos momentos, profusão de sentimentos, faltam palavras. Não só palavras, talvez.
Sei que agora você anda meio distante, meio cabreiro. Gostaria de saber o que se passa na sua mente inconstante de louco. Aliás, talvez aquele louco não seja mais você. Talvez você não seja mais aquele louco. Abandonou todas as suas fontes de juventude e tem se tornado velho. Pelo menos ainda escreve? Cartas eu sei que não. O cigarro, o vinho, a boa cerveja. Não. Nada de loiras. Nada de álcool. Ouvi dizer até que irá escrever um livro.
Tenho ouvido tanto de você! Mas nada por você. Infelizmente? Não sei. Me responda se puder. Ouvi também que está apaixonado e mudou-se para aquele lugar que sempre quis me mostrar, tão tão distante que nem consegui encontrar você.
Diante de todas as notícias que recebi, e da possibilidade de receber tantas outras contidas em cartas que não li, resolvi te escrever de novo. Como desejo nenhum é modesto, só queria que não se esquecesse de mim. Muita pretensão da minha parte depois de tantas e-storias contadas por loucos mais loucos que você era, ouvida por tantos outros. Tantos cúmplices de uma lenda, de um conto, de algo que nunca aconteceu realmente. Apenas conto. Apenas li. Quase acredito que vivi.
Mas, diante do fato de que toda felicidade surge de um pequeno engano, prefiro estar no mundo e não perder a viagem. Gosto mais de acreditar que nada passou de um conto. Uma dessas viagens malucas num mundo de fadinhas e gnomos verdes. Não sou dada a coitadismos, e acho que você também não. Escrevo também para tentar reduzir a distância. Para diminuir o tédio. Para acender... as notícias do jornhaw.
Eu, como criatura fantástica e egoísta, escrevo e peço notícias. Apareça por aqui assim que puder.

Ass.: Loira

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Criatura Mágica Antropofágica

Num futuro desses não muito distantes, como se dizia antigamente quando o futuro ainda era não era retrô, um velho apaixonado por e-stórias olha o mediterrâneo pela janela. No rádio um jogo do Goiás com o experiente técnico Felipe Amorim fazendo um bom trabalho. Na janela da frente, o mar, algumas pipas. Na janela dos fundos, já era noite, algumas prostitutas na beira da Belém-Brasília e um garotinho passa no carro com seus pais , uma parati 99 rumo a Palmas, a recém criada capital. No meio dessa selva de pedra, vivia refugiado nesse quarto de hotel. Nessa profusão de um quadro modernista, em que passado e presente se misturam nessa profusão de sensação clara ou escura. A poesia está em todas as coisas. Tudo é poesia. Cansado disso, resolveu parar no tempo no auge da sobrevivência da verdadeira poesia. Antes era vida com poesia. Hoje é poesia com um pouco de vida. Todos se drogam. Nos anúncios de cigarros subliminares em um belo rosto feminino ou nos campos de futebol. Ele também se droga. Hoje é um dia difícil, já fazem 63 anos da morte da sua esposa e faltam 2 semanas pra 30 que nunca vê o único filho. Lembra do filho pequeno, de quando jogavam bola, sente uma lágrima presa, que nunca sai e revira na garganta como um espinho. Olha pra prateleira e pega o mais pesado que tem. Gessinger Licks e Maltz, de quando a poesia fazia parte da vida e o futuro ainda não era retrô. Das tardes compulsivas jornalísticas escutando sem parar essa santíssima trindade exclusiva da inspiração.


Coloca o disco na agulha e logo as sensações penetram seu corpo. Por um segundo que precede a alucinação olha pro velho de boina no espelho e se assusta com a mesma frase que nunca cansou de se repetir . Como a vida passa rápido. Lembra daquela criatura mágica antropofágica. Numa dialética etílica compulsiva que se consome a cada palavra. Uma criatura que a cada palavra que diz se consome e se reinventa, modificando a existência e renovando a poesia que a mesma, cada vez mais diluída. Uma palavra dita, que nunca volta e golpeia com ferocidade todos os presentes na mesa com crueldade deixando cicatrizes malditas que nunca irão se curar. Essa dor alheia provoca prazer e instiga a produção de novas palavras que irão voltar, serão consumidos e devolvidas, reinventadas, regurgitadas.


Parabéns criatura antropofágica transcendental que me persegue. Você mudou de sexo, cor e rosto. Mas continua a mesma. Na igreja da infância, nos campos de futebol, nas estradas, na faculdade, ouvindo sampa no walkman, na mesa de um bar, de um puteiro, do primeiro almoço na casa da namorada e do primeiro livro lido. Me diga, o que você entendeu desse livro? Não sei, existe algo para se entender? E essa lágrima maldita, que nunca vai sair.


Obrigado, antropofagia dialética transcendental. Obrigado pela amizade, pelo amor, pelos delírios. A vida que ia passar, passou, mas o segredo, como já se diz é fingir que entende. Pelo menos assim, há uma tentativa de renovação. Triste destino, engolir sem mastigar.

Obrigado, amizade transcendental.

Então nessa interlocução alucinada o velho sobe no prédio mais alto da última metrópole grega, numa montanha alta dessas do interior do brasil, olha São Paulo do alto, Goiânia de dentro pra fora. O velho é um jovem suado que acabou de jogar futebol na casa do gordo. O jovem é uma criança inocente que não sabe mentir. A criança é um velho que nunca aprendeu e sempre que encontra uma altura sente vontade pular. E quem sabe, voar.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Querido ausente,

Continuo a considerar as cartas como a melhor forma de expressar todo e qualquer sentimento. É como dizer olhando para o espelho. Não se mente olhando para os próprios olhos, assim como não se mente para si mesmo em silêncio. São os olhos a fonte de expressão da alma, do cérebro, do corpo e do coração. Nada escapa aos olhos. Gostaria de olhar você. Mas você foge de mim. Não conseguirá, porém, fugir das minhas cartas. Talvez escrevesse sambas ao invés de cartas. Saudade faz samba. Eu não sei como fazê-lo. Manterei, pois, as cartas. Ou melhor, a carta. Esta será a última.
Escrevo porque, entre todas as formas que você poderia se manifestar em mim, resolveu ser saudade. Li isso em algum lugar e me lembrei de você, como tudo que eu tenho lido ultimamente. Tudo descreve o que eu sinto, talvez porque a sua falta tem me transformado em um buraco negro que suga tudo o que aparece na tentativa de filtrar dentre tantas inutilidades, algo sobre você.
Já não sei mais por onde você anda e nem quem você é. Não sei o que você tem feito, como tem se alimentado, se tem escrito muito, se tem pensado em mim. Você ainda toca tão bem? Escreve cartas? Talvez sim. É estranho como em instantes eu passei a desconhecer todos os sentimentos que habitam você. Não identifico os demônios, quiçá os anjos.
Acho que eu é que não conhecia você, talvez tenha me enganado sobre esse nowhere man. E realmente você não pertença a nada, nem a ninguém, tão cego quanto se pode ser, vê o que quer. Talvez até me veja. Me enxerga? Não. Mas não tenho pressa. A minha mão está sempre estendida e ao seu alcance. E um dia, você conseguirá ver com uma precisão impossível para o momento, o quanto você está perdendo tempo com suas confusões e finalmente sairá dessa terra de lugar nenhum, deixará de fazer planos de lugar nenhum e reformará suas idéias.
Eu tenho tido pesadelos depois que você foi embora. Senti medo. Mas não chorei, nem reclamei abrigo. Como no Poema, eu paro e sinto. Sinto um abraço, alguma coisa sua ficou em mim, alimentado pela beleza do que aconteceu há um mês atrás. Menos tempo talvez.
E a minha vida se resumiu em esperar você. Uma carta, um telefonema, o interfone. Mas todos os meus planos foram perdidos, todos os meus sonhos caíram em desalento. E eu espero você. Talvez isso seja o que chamam de amor verdadeiro. Aquele que se manifesta de várias formas, apesar de ser igual. Muda o jeito de sentir, mas não muda a essência. E eu perdoo, eu perdoo tudo porque isso também é amor. Eu perdoo você. E eu espero. Espero sem medo, com calma e saudade. Perdoo enquanto espero. Porque independente do que aconteça, e de qual explicação você queira dar, nenhuma será certa para mim. Quero que entenda que não preciso de explicação, preciso de um olhar. Mas caso não queira, me dar sequer um olhar, eu entendo, peço apenas que me responda, que leia minhas cartas.
Um dia você perceberá que pra ser feliz de verdade, é preciso ter o amor por perto. Quando isso acontecer, eu vou estar esperando você, como sempre fiz. Vou passar a mão no seu cabelo, relembrando como eram bons aqueles momentos em que se compartilhava cada sensação. Quando a gente se olhava nos olhos e entendia, e não se preocupava, e o mundo parava. Isso não acaba, não morre, apenas se compartilha, se guarda. E como sempre, mais que nunca, eu estarei com você, aqui, ali, em qualquer lugar.


Ass.: .

Grateful Dead - "Europe '72"


...mas aqui, queridos leitores, eles criaram mágica.

Quem conhece o Grateful Dead sabe que sua longa trajetória pode ser resumida em uma palavra: espontaneidade. Seja em sua vertente mais experimental ou na faceta country explorada no início dos anos 70, os malfeitores californianos sempre estiveram mais à vontade na estrada que no estúdio, fazendo com que cada apresentação ao vivo soasse única, com um repertório que desfilava uma infinidade de canções, acompanhadas de jam sessions igualmente infinitas.

E justamente essa espontaneidade, louvada pelas centenas de deadheads – seguidores fanáticos do grupo, que consideravam o compositor, cantor e guitarrista Jerry Garcia uma espécie de guru –, era, em algumas ocasiões, sua pedra de tropeço. Quando o Grateful Dead subia ao palco, as harmonias vocais, a afinação dos instrumentos e a precisão das notas tocadas não pareciam estar bem em primeiro plano.

Acontece que, em 1972, dois anos após o lançamento da notável dobradinha ”Workingman’s Dead”/”American Beauty”, considerada o mais bem sucedido período do Dead dentro do estúdio, a americaníssima banda resolveu dar suas voltas pela Europa, em uma turnê gravada, empacotada e lançada sob a apropriada alcunha de “Europe ‘72”. E o que eu posso dizer com toda a certeza é que o velho continente fez muito bem aos cowboys psicodélicos de São Francisco.

No LP triplo, também lançado em CD duplo numa edição caprichada da Rhino, a banda soa coesa e, ao mesmo tempo, absolutamente natural, fazendo fluir um som livre e incrivelmente aconchegante. Existe alguma coisa misteriosa que permeia todo o registro; algo que não pode ser estudado nem planejado. Simplesmente era pra ser assim.

O disco começa com “Cumberland Blues”, que parece ter sido extraída de uma mina estadunidense no início do séc. XX. Aqui a canção adquire muito mais brilho que em sua versão original, assim como “China Cat Sunflower” que, unida à tradicional “I Know You Rider”, formam uma única peça de incrível impacto. As guitarras de Garcia e Weir desenham a música de modo a elevar a imaginação e o espírito do ouvinte a alturas nada seguras. O coro final nos trás de volta à terra firme, num pouso que causa imediatas saudades da viagem.

É impossível ouvir as rurais ”He’s Gone”, “Ramble On Rose” e “Tenessee Jed” sem cantarolar suas melodias por semanas a fio, ou não sentir fortes ondas de emoção com “Morning Dew” e “Looks Like Rain”, essa última lançada apenas como faixa bônus na já citada edição em CD. Pra levantar a poeira amontoada no solado das botinas de couro, temos “One More Saturday Night”, “Sugar Magnolia” e “Mr. Charlie”.

Como ponto negativo, só posso citar a enrolação presente em “Truckin”, “Epilogue”, “Prelude” e nas faixas bônus que sucedem “Looks Like Rain”, todas contendo aquelas jams arrastadas que perdem a atenção dos ouvintes... digamos... mais sóbrios. Nada que comprometa, contudo, o status de Um Dos Melhores Discos Ao Vivo Que Eu Já Ouvi Em Minha Vida que o fabuloso “Europe ‘72” conquistou, mesmo que sem muita pretensão.

E aqui vai uma dica do João: da próxima vez em que você estiver pegando uma estrada, sozinho em seu carro, tendo apenas o silêncio da madrugada como companhia, jogue uma moeda na jukebox, ajeite o chapéu e acenda seu cigarro de palha. Seja qual for seu destino, ele vai parecer ter chegado cedo demais enquanto o velho Dead estiver rolando nos alto-falantes.

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