quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O amor fede


Podia ser um dia qualquer dentro de um ônibus qualquer. Mas não foi. O ônibus passou mais rápido que o normal. E o dia, desde quando acordei, me fazia ter vontade de escrever algo, compor uma música, dirigir um filme. Era daqueles dias que eu poderia ficar horas em frente à pintura pálida “A vida” de Picasso, fumando meu cigarro e escutando “I Know it's over” do The Smiths.
Tinha algo que me martelava há semanas, uma pergunta que deve fazer parte da crise de meia-idade: “O que é o amor?”, não o amor entre pais, filhos ou amigos. Era um amor específico. O amor entre um homem e uma mulher. O amor que faz você querer passar o resto da sua vida com ela. Supermercado. Cinema. Almoço de domingo. Filhos.
Entrei no ônibus, essa pergunta ainda martelava em minha cabeça. Comecei a achar que aquilo que eu chamava de amor, era apenas uma paixão, algo intenso com data de validade, nada mais que isso. No ônibus tinha um casal feio. Eram feios mesmo, os dois. Ela descabelada, ele desarrumado. E um odor pairava nos ares do ônibus. Era vômito. A moça feia descabelada tinha acabado de vomitar, tinha pouco tempo, talvez um ponto antes do meu. O cheiro ainda estava forte, uma pessoa de estômago fraco teria feito o mesmo quando aquilo invadisse suas narinas, vomitaria em cima do vômito da feia descabelada.
Fui mais para trás, fiquei olhando os dois, observando. O cara era carinhoso com ela, ela com ele. Não sei o porquê, mas aquilo parecia ser realmente sincero. Ela acabou de golfar em um ônibus e o cara lá fazendo ela se sentir a mulher mais linda do mundo. Especial de verdade. Os olhos dela diziam isso. O sorriso dos dois era como um "eu te amo" sem pronunciar uma única palavra. Que por sinal, falaram poucas coisas um ao outro. Mas a impressão que eu tinha que até um “vamos ao supermercado” soaria como uma declaração de amor entre os dois. Aquilo sim deveria ser amor. Era intenso, mas não como a paixão. Na paixão não cabe tanta sinceridade como essa.
Aquilo era amor, e o cheiro do vômito ficou ligado a isso. E passou a ser algo agradável. Um cheiro bom, que me lembra aquele casal. O que era nojento se tornou agradável, o agradável que me lembra o amor. Toda vez que sinto esse cheiro me lembro do amor. Talvez essa seja uma das façanhas do amor, mudar as coisas, dar novos significados a vida. O que me restou foi chegar à conclusão que o mais perto que cheguei dele foi quando pulei o vômito daquela mulher no ônibus.

2 comentários:

Plínio Lopes. 16 de dezembro de 2009 às 11:37  

vc ama uma pessoa pq ela te faz bem, tira o melhor de vc, etc,

então toda forma de amor seria uma forma de amor próprio?

bom texto, devia escrever mais.


blog 100% tabagista escrito por não fumantes.

Yuri Montanini 16 de dezembro de 2009 às 14:33  

Amor que, faz falta, e sim, seria uma forma de amor próprio. Uma das melhores sensações possíveis, a de se sentir homem, de ouvir uma mulher falar 'Eu te amo'.

bom texto, devia escrever mais.


blog 100% tabagista escrito por não fumantes.[2]

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