quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Amor e Sangue




Após seis anos de casado, resolvi me divorciar. Na verdade ela resolveu. E isso já faz um ano. Continuávamos nos vendo, como um casal de namorados que transa escondido dos pais da menina. Assim que nos separamos, ela começou a namorar um cara aí. Babaca. Guitarrista. Tudo o que eu não era. E não sou.

Yara, 32 anos. Minha ex-esposa. Uma mulher atraente, bem atraente. Loira, estatura média. E na cama éramos como chave e cadeado, se é que me entende. Nascemos pra cruzar. Perfeito. Talvez por isso continuávamos nos encontrando.

Nos víamos sempre as quartas-feiras a tarde, quando eu tinha folga na delegacia e ela no fórum. Íamos pro apartamento dela e mal abríamos a porta, porque o desejo era mais intenso e muito mais forte que a gente. E num desses encontros aconteceu.

Quarta-feira a tarde. Saio da delegacia e vou para a casa dela, como de costume. Ela já está lá em cima. Tenho a cópia da chave, abro. Entro no quarto, decorado com círculos laranjas. E ela está nua, me esperando. Tiro a camiseta, a ponto 40 da cintura e coloco sobre o criado mudo. A camiseta enrolada na pistola. Uma. Duas. Sem tirar.

Termino e me sento na cama. Talvez para descansar, ou para pensar. Ela continua deitada, com os olhos semi-cerrados. Visto a camiseta branca com as letras PCGO bordadas logo abaixo do peito. Vejo a maçaneta girar e ouço um estampido que me deixa quase surdo. Minha barriga começa a formigar. Uma poça de sangue encharca minha camisa e Yara, ainda nua, grita.

Sempre pensei que a morte fosse mais interessante. Ou pelo menos mais digna. O sangue não é vermelho como nos filmes e levar um tiro não é tão doloroso. Ouço um 'vagabunda!' e vejo um barbudo cretino apontar a arma pra ela. Por impulso, pego a pistola com o braço trêmulo e aperto o gatilho com força, e repito o movimento com o dedo. Sete tiros, tudo o que tem no pente. O namorado dela cai, morto. Atrás dele, vejo a porta branca com respingos de sangue. Olho pra Yara e fecho os olhos.

Acordo em uma sala branca, fria. Toda azulejada, parece o IML. No meu dedão do pé não tem etiqueta, acho que ainda estou vivo. Minha bunda está gelada. Ainda bem. Minha barriga dói. Olho e percebo pequenos pontos fechando um furo do tamanho de uma azeitona. Pouco acima do umbigo. 'Oi, já acordou? Como se sente? Seu Luiz, visita pro senhor.' Uma enfermeira ruivinha, deve ser estagiária. E a visita é o Celso, meu amigo lá da DPIJ.

- E aí Steve, queria morrer? Comé que cê tá?


- Tô bem, vou morrer é depois que eu sair daqui, o desgraçado é filho de promotor. Cadê a Yara?


- A Yara? Assumiu o assassinato.


- Como assim?


- Ela deu depoimento falando que foi ela que atirou. Tem digitais dela na arma e ela disse que você tava desacordado quando ela pegou a pistola e matou o cara.


- Porra.



Eu daria a vida por ela. E ela se sacrificou por mim. Porque ela é o grande amor da minha vida, e isso só acontece uma vez. Divórcios podem não significar nada.



2 comentários:

Nanda Palmerston 3 de dezembro de 2009 às 15:59  

Você deveria escrever um livro. Eu seria a primeira a comprar.

^^

Rafael Rabelo 8 de dezembro de 2009 às 19:59  

"quartas-feiras a tarde" ...isso me lembra 'Libertadores', ainda no primeiro período! ahuhuauhahuauha

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