terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O velho sanfoneiro das bandas do imortal.


E numa dessas esquinas ordinárias das grandes cidades eu vi ele. Velho sanfoneiro, poeta silencioso das esquinas vazias lotadas de vidas banais. Talvez sua poesia silenciosa seja silenciosa porque o mundo de hoje não tenho valor o bastante para escutá-la. Talvez a poesia dele seja silenciosa porque grita por dentro.Talvez não.


Por anos ele ficou lá. Escutei o som solitário e melancólico de sua sanfona no dia em que recebi uma promoção do trabalho. Escutei no dia em que conheci minha esposa, que meus filhos nasceram. No dia em que o salário que era grande se tornou normal. A esposa que era linda, também se tornou normal. Os filhos, cresceram. Os anos, passaram. E o velho lá. Já havia perdido em muito o frescor da juventude e apontavam em minha barba por fazer os primeiros fios brancos. Minha esposa já não era a mesma e se tornou distante. Era um estranho em minha própria casa. Simplesmente de repente tudo perdeu o sentido. Foi uma questão de tempo o casamento se desfazer. As filhas já grandes foram morar com a mãe. Perdi a vontade de trabalhar e larguei meu emprego.

O apartamento que era tão pequeno agora era grande, sento na mesa para fumar um cigarro e vejo um jornal de dois meses atrás. A barba já grande há muito sem fazer o cabelo que já perdeu completamente seu corte. Escuto o barulho dos carros lá fora e vejo um céu cinza ao fundo em plena segunda feira. O rádio tocava uma música qualquer. Percebo que é o último cigarro do maço. Olho para o cinzeiro grande e conto as moedinhas que tem ao seu lado. Faltam um real e 25 centavos. Vou ao cesto de roupas sujas e pego no bolso da calça que usei duas semanas atrás.

Vou a padaria da esquina. Marlboro, vermelho. Não tem troco. E passo pelo velho sanfoneiro e olho para ele, escuto sua música. É uma música que castiga. É como se um reflexo da minha juventude, do meu terno e do meu cabelo molhado com gel, da minha esposa linda com 25 anos, das minhas filhas pequenas passando de bicicleta por aquelas calçadas pulassem em mim, me sufocando e gritassem: Velho fracassado! Olho para o outro lado da rua e me vejo com 23 anos suado voltando de uma corrida olhando para mim velho, aquela barba por fazer branca deprimente, fedendo cigarro com roupas amassadas. O seu olhor de desprezo me consome e atropela cruelmente.

E a música, a música que nunca parou do velho sanfoneiro de repente para. E o velho olha pra mim. Trocamos um olhar intenso por alguns instantes. Eu não falo com ele e ele não fala comigo. Hei, você, peça uma música. E respondo: As músicas que quero ouvir você não sabe tocar. Então o velho ri com desdém e não diz nada, apenas. E novamente a sua música entra gelada como o vento da madrugada pelos meus ouvidos provocando um arrepio de dor pela minha espinha, uma dor na garganta e uma vontade enorme de chorar. Sinto pena de mim mesmo e a da figura reduzida de mim mesmo que me tornei.

O velho percebendo as minhas lágrimas começa a conversar comigo. Me conta da sua vida. Filho de imigrantes desde criança se apaixonou pela sua sanfona. Escrevia as suas poesias de amor da juventude nas notas musicais. Sempre muito admirado em sua cidade não se bastou e resolveu dar seguimento a sua condição eterna familiar de forasteiro. Ganhou a capital, o país. Viajou muito e embalou suspiros utópicos de toda uma juventude. Um dia também foi jovem e sonhava em mudar o mundo duas vezes a cada segundo que passava.

Um dia a juventude passou, seus ouvintes cresceram, os muros caíram, os impérios declinaram e outros ascenderam. Seus amigos já não tocavam com ele. Então ele não quis se vender para a música que tanto amava e era a essência mais profunda de sua alma. Preferiu tocar sanfona em uma esquina qualquer, nessas grandes cidades no pequeno dia a dia. Preferia desaparecer na instrospecção de seu amor do que consumí-lo em vaidades. Então eu perguntei: Em qual banda você tocava?
Nas bandas do imortal.

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