quinta-feira, 22 de abril de 2010

Alucinação


Depois de sonhar com o delegado pra quem mandei flores, acordei assustada por me lembrar que não havia desligado a TV e, passadas tantas horas, percebi que ela estava fora do ar. Eu estava, naquele sonho, vivendo os melhores momentos da minha vida. Estávamos, nós dois, dando voltas pela lua no cavalo de Ogum, após vencer o dragão e fazer da chama, brasa. Brasa. Devaneios tolos me torturam enquanto revejo as fotografias recortadas, me fazendo lembrar com saudade do que já não somos nós.
Talvez nem Freud explique os tempos idos, os copos secos, as cinzas no cinzeiro e o sofrimento do poeta que jamais sentira nada. Tudo isso fez parte do meu sonho. Mais que isso, sonhei que cantávamos a nossa música, aquela que diz algo sobre o sexo ser assunto popular.
Voltando a parte boa do sonho, antes de eu acordar, antes de você me deixar e antes de eu começar a divagar dentro do meu próprio sonho, antes mesmo da chama ardente virar brasa e esta congelar meu sorriso, lembro-me que você me disse que iria comigo, onde quer que eu fosse. E naquele dia branco, que pra mim era como se tivesse mil cores, me lembro que te prometi o sol, se ele saísse, caso você viesse mesmo comigo.
De verdade você veio e eu dei todo o céu, tão imenso como o que eu sentia por você. Te dei a chuva para lavar seu ser. Te dei o sol para que se secasse e se escondesse do frio. Te dei por fim, flores, para que jamais se esquecesse da beleza que existe no amor maior. Percebendo que nada disso tinha te bastaria, lutei ao lado de São Jorge e vencemos o dragão. Ele me emprestou seu cavalo e te coloquei do meu lado para te mostrar a lua. Grave erro. Você se vislumbrou com o alto. Disse que de cima tudo é mais legal, apesar de esquisito, é tudo mais bonito. Comecei a perceber que nada te prenderia a mim se não me tinhas amor. Andei por todo o universo procurando algo que te faria meu, mas não encontrei. E eu trocaria a eternidade para viver tudo isso de novo, com você. Mas nada basta. Só o amor é capaz de se bastar. E a partir daí eu não quero mais reviver. A brasa foi suficiente para acender em mim a realidade.
Deixei você partir. Minha TV está fora do ar. Será que você me olha? Provavelmente não. Do alto é muito esquisito. Você está longe demais das capitais. E pouca coisa me interessa. Não me interessam teorias, coisas do oriente, nem romances astrais. Prefiro não sonhar e me delirar com experiências de coisas reais. Depois que você partiu, tenho raiva até mesmo do sol, dos seus beijos e dos sonhos que sonhei para nós. Depois que você se foi, já ouvi sessenta e três receitas pra te esquecer e eu sei que nada vai resolver.
Me tornei louca. De volta aos bares, fiz amizade com outros loucos, que orgulhosamente seguiam bêbados e orgulhosamente seguiam sonhando. Isso também me deu raiva. Me ensinaram, esses meus novos amigos, que quem inventou a razão, a emoção desconhece. Me fizeram seguir a emoção e parar de pensar em você. Pensar... foi algo que há muito deixei de fazer. O problema é que você tomou conta de tudo. Tudo em mim. Já não há emoção, já não há razão, já não há ninguém por aqui. Nenhum filme na TV, que continua fora do ar. Nenhum carro passa por aqui. Já perdi a conta de quantos cigarros enrolei e não dou a mínima pro que vai acontecer. Só os loucos não desistiram de mim. Dizem que o que eu sinto é moderno. O excesso faz sucesso, o final feliz, não.
Me ensinaram que esse excesso de amor era uma doença ficta. Eu já não sentia amor, sentia prazer em fingir sofrer. Percebi que o único remédio pra essa minha doença era continuar louca. Foi aí que virei poeta.

1 comentários:

Plínio Lopes. 23 de abril de 2010 às 00:37  

brilhante fantástico porém emudecedor.

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