quarta-feira, 7 de abril de 2010

Noite no teatro

A cadeira de expectador me prende como uma cadeira de rodas. Antes fosse uma cadeira de rodas, móvel e impetuosa. Meu assento almofadado é tão estático quanto os olhos úmidos da platéia. A arte, a vida e o movimento interpretam a si mesmos no palco, e somente a arte de observar a tudo, quieto e pálido, executa-se por meio de minha alma trêmula.

Cabe a mim invejar o artista, rei e mago do teatro, cujo teto são estrelas místicas e a bruma amórfica seu chão. Entra a cantora com suas pernas cálidas, voz e saia de veludo e lábios elásticos. Pareço flutuar em uma clave de sol, subindo meio tom a cada nota sustenida, movendo-me, sem rumo, ao som de semifusas.

Minha consciência anula-se, como se ébria, e címbalos dourados com seu som de éter espalham-se no ar numa cadeia cíclica. Minha pele se enrubesce e responde à magnética melodia com um arrepio – cada pêlo se faz também platéia, aplaudindo de pé ao espetáculo onírico. E a lua dança no céu de ébano.

Afasta-se de mim todo caráter sólido, altero minha freqüência para tons amenos de ciano ingênuo, unindo à meia luz desse castelo clássico a minha forma turva de fantasma cósmico. Espero impregnar-me de texturas tímbricas, fazer-me um tijolo da parede sônica, me debater nas ondas de um hammond aquático.

Faz-se silêncio.

A platéia se levanta e meu banco está vazio. Austero, me debruço na abóboda celeste. E não sou mais eu, mas a arte em mim.

1 comentários:

Leandro Gel 15 de abril de 2010 às 12:50  

Cara, eu achei esse texto foda!

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