sábado, 24 de abril de 2010

ouvindo sampa no walkman.





este sou eu, parado na esquina.



a mesma esquina de outra canção.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Alucinação


Depois de sonhar com o delegado pra quem mandei flores, acordei assustada por me lembrar que não havia desligado a TV e, passadas tantas horas, percebi que ela estava fora do ar. Eu estava, naquele sonho, vivendo os melhores momentos da minha vida. Estávamos, nós dois, dando voltas pela lua no cavalo de Ogum, após vencer o dragão e fazer da chama, brasa. Brasa. Devaneios tolos me torturam enquanto revejo as fotografias recortadas, me fazendo lembrar com saudade do que já não somos nós.
Talvez nem Freud explique os tempos idos, os copos secos, as cinzas no cinzeiro e o sofrimento do poeta que jamais sentira nada. Tudo isso fez parte do meu sonho. Mais que isso, sonhei que cantávamos a nossa música, aquela que diz algo sobre o sexo ser assunto popular.
Voltando a parte boa do sonho, antes de eu acordar, antes de você me deixar e antes de eu começar a divagar dentro do meu próprio sonho, antes mesmo da chama ardente virar brasa e esta congelar meu sorriso, lembro-me que você me disse que iria comigo, onde quer que eu fosse. E naquele dia branco, que pra mim era como se tivesse mil cores, me lembro que te prometi o sol, se ele saísse, caso você viesse mesmo comigo.
De verdade você veio e eu dei todo o céu, tão imenso como o que eu sentia por você. Te dei a chuva para lavar seu ser. Te dei o sol para que se secasse e se escondesse do frio. Te dei por fim, flores, para que jamais se esquecesse da beleza que existe no amor maior. Percebendo que nada disso tinha te bastaria, lutei ao lado de São Jorge e vencemos o dragão. Ele me emprestou seu cavalo e te coloquei do meu lado para te mostrar a lua. Grave erro. Você se vislumbrou com o alto. Disse que de cima tudo é mais legal, apesar de esquisito, é tudo mais bonito. Comecei a perceber que nada te prenderia a mim se não me tinhas amor. Andei por todo o universo procurando algo que te faria meu, mas não encontrei. E eu trocaria a eternidade para viver tudo isso de novo, com você. Mas nada basta. Só o amor é capaz de se bastar. E a partir daí eu não quero mais reviver. A brasa foi suficiente para acender em mim a realidade.
Deixei você partir. Minha TV está fora do ar. Será que você me olha? Provavelmente não. Do alto é muito esquisito. Você está longe demais das capitais. E pouca coisa me interessa. Não me interessam teorias, coisas do oriente, nem romances astrais. Prefiro não sonhar e me delirar com experiências de coisas reais. Depois que você partiu, tenho raiva até mesmo do sol, dos seus beijos e dos sonhos que sonhei para nós. Depois que você se foi, já ouvi sessenta e três receitas pra te esquecer e eu sei que nada vai resolver.
Me tornei louca. De volta aos bares, fiz amizade com outros loucos, que orgulhosamente seguiam bêbados e orgulhosamente seguiam sonhando. Isso também me deu raiva. Me ensinaram, esses meus novos amigos, que quem inventou a razão, a emoção desconhece. Me fizeram seguir a emoção e parar de pensar em você. Pensar... foi algo que há muito deixei de fazer. O problema é que você tomou conta de tudo. Tudo em mim. Já não há emoção, já não há razão, já não há ninguém por aqui. Nenhum filme na TV, que continua fora do ar. Nenhum carro passa por aqui. Já perdi a conta de quantos cigarros enrolei e não dou a mínima pro que vai acontecer. Só os loucos não desistiram de mim. Dizem que o que eu sinto é moderno. O excesso faz sucesso, o final feliz, não.
Me ensinaram que esse excesso de amor era uma doença ficta. Eu já não sentia amor, sentia prazer em fingir sofrer. Percebi que o único remédio pra essa minha doença era continuar louca. Foi aí que virei poeta.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Telegrama

'Havia lá pra essas bandas loucas , aonde faz um calor do cão e um frio de rachar, um nobre português, que vivia uma maldição. A maldição de ser a encarnação da figura literária do cavaleiro da triste figura. Talvez por ter crescido no meio de tantos livros acabou se tornando um deles, da pior qualidade.'

Tava triste. Sofrendo com essa maldição de ser um eterno e medíocre clichê, sem brilho algum. Nesse meu quixotismo pós-moderno. Andando por aí parei meu rocinante de mil e cem cilindradas e entrei num bar. Não aguentava mais pensar na minha donzela. Que sequer jamais fora minha de verdade. Uma donzela inicialmente eleita por uma força oculta a tomar de assalto.

Queria encontrar alguns moinhos de ventos por aí. Não tenho culpa se nasci numa geração pobre de ideologias e causas. O muro caiu mas ainda sei que existem moinhos abstratos espalhados por algum lugar. Vivo uma aventura heróica em que não só confundo meus vilões, como se quer reconheço-os. E para isso, para alimentar o meu quixotismo, para que possa cavalgar nas estepes desse blog, procuro meus montros em todo lugar. E no final das contas, qualquer beijo de novela me faz chorar. Procuro nas arquibancas, nos muros de lamentações e grafites. Procuro no samba, tango ou nas noites em claro, descendo um serra qualquer nas Minas Gerais. Procuro nas rimas medíocres. Em vão. Não encontro. Jamais.

Entrei no dito bar com meu cabelo de acordo com a mais bela passarela européia, um óculos ray ban e minha jaqueta de couro. No braço um bandeira de rondônia, no peito um escudo do Goiás e no outro braço a bandeira de Goyaz. Arranquei suspiros da garota que estava sentada na cadeira vazia da mesa em frente. A barba por fazer e a morte anunciada no canto da boca. Olhei para a venezuelana doutora em questões transcendetes do balcão e pedi um café.

Dou três passos com minha bota de motoqueiro para a mesa do meio, não sei nem o porquê. Me sento. Percebo um guardanapo largado na mesa com uma marca de beijo, beijo de batom. Minha donzela, que inspirou minhas andanças em um rocinante de mil cilindradas passara por ali antes. Pela milésima vez um encontro casual nos traz de volta. Como o primeiro deles, dez mil anos atrás. Como o último dele, dez segundos atrás. Não sei se ela passara morena, ouvindo sampa no walkman, dez anos mais velha que eu. Não sei se fora loira, encantada e mágica. Ou ruiva, desconhecida. O fato é, que havia ali naquela guardanapo todas as minha sete vidas do amor . Registrados no autográfo mais sublime da arte pela arte.

O fato é que das sete vidas para o amor havia morrido em todos e agora vagava por aí. Na busca de outra garota que ainda me emocione. Sete amores como sete pecados capitais. Nenhum mais pecaminoso que o outro. Já diria a educação de infância: O salário do pecado é a morte.

Sinto saudade da morena, da loira e da outra loira. Sinto saudade do meu coração outrora intacto.
Sinto saudade da arquibancada que pulsa sem mim enquanto tomo um café numa estrada vazia. Sozinho, sozinho. Mais solitário que um paulistano. Pego minha moeda de cruzeiro, especial. Troco da bilheteria do último show dos mamonas. Coloco na jukebox. Essa moeda especial vai deixar ela tocando por dois dias.

Escuta essa música sentindo essa saudade. Do que passou, passa e passará por aqui. Me sinto um louco golpeando o vento, sonhando a dar brilho nos olhos que houvesse alguém pra ser golpeado com aquela espada. Sonhando com o brilho dos olhos de uma criança, que houvesse uma loira igualmente quixotesca, de óculos, a assistir aquele embate e suspirar pelo seu cavaleiro romântico. Dou mil golpes de espada a cada música que me passa. Aí me canso e percebo que realmente o mundo já tem os heróis que precisa e não encontrarei meus monstros. Fecho o meu blog, paro de escrever. Num clique mil e uma cilindradas se desfazem. Num clique não existe loira, não existe banda imortal. Em um clique, ando só.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A Loira


Sexta-Feira, 16 de abril. Longe demais das capitais,Perto do Caos




Saio do trabalho e meu fiel escudeiro já está a minha espera. Só que nesse conto de cavalaria moderno o escudeiro tem a sua donzela e o nobre português senta sozinho na mesa de um bar. Vejo a noite que cai suave como um acento em fúria, ódio ou suicídio. Mas não, as tendências suicidas não me pertencem mais. Veja bem, hoje, sexta feira dia dezesseis de abril, faltam 6 meses e uma hora para o meu aniversário de 22 anos. Vejo a vida tão curta, que passa tão rápida e a cada trago dezenas de pessoas incríveis ficam pelo caminho. Me sinto um cara de sorte apenas de ter tido a honra de conhecê-las. Concerteza merecem os mais belos contos de cavalaria ou que seja uma simples poesia. Merecem qualquer talento aplicado afim de desculpar minha falta de valor em retribuir o carinho que me foi dado.

Chego no bar, vejo todos os meus amigos, queridos. Chego, sozinho. Veja bem, já esbravejei para os quatro cantos que não gostava dela. Acham que ela também não gosta de mim, uma vez que já fez até com que me sentisse mal. Mas vejo meus amigos e seus casais e ela sozinha na mesa, não me resta opção senão oferecê-la minha singela companhia. Não sei como ela chegou ali. Não sei quem a trouxe. Não sei quem a pediu. E confesso que passar a noite com ela era a última coisa que eu esperava para uma noite pretensiosamente tão especial. Mas eu que não bebo quis uma cerveja. Afinal, mentiras sinceras também me interessam.

Quando chego tento ignorar sua existência, afinal eu não bebo. Mas tocam todas aquelas músicas que eu amo e a cada gole que passa sua companhia se torna perfeita. A cada minuto com Augusto Licks tocando cerrado no walkman a alguns metros de mim, sua companhia se torna mais divertida. A cara que de recusa que fiz ao vê-la na mesa pela primeira vez, já não consigo mais. Começamos a conversar a cada música que passa. De repente com aqueles ciganos tocando aquela música vadia, aquela noite, sozinho, com aquela loira indesejada na mesa se torna a melhor de todos os tempos da última semana.

Logo após um tempo, como era de esperar a sua companhia me faz ir ao banheiro. No caminho toca uma música que nunca parou. Na primeira batida de uma baqueta já percebo que em meu caminho a nobre missão de ir ao banheiro deve ser interrompida. Os arautos do rei Gessinger param todo o meu exército de um homem só rumo ao banheiro trazendo uma carta de um reino tão tão distante. 'e eu que escrevi sem pensar, agora me arrependo roendo as unhas'.

O certo é que na sua companhia tive de fato a noite mais divertida de todos os tempos da última semana. E jamais poderia imaginar encontrá-la por ali, como já disse, logo eu, que não bebo. A sua companhia em todos os cigarros e delírios poéticos de um goiano ouvindo pampa no walkman. Senti saudade. Cheguei a pensar que em sua companhia ali fosse o meu lugar. O certo é que eu dancei sem querer dançar e agora já nem sei qual é o meu lugar.

sábado, 17 de abril de 2010

As cartas que eu mando


De volta em casa, resolvi voltar a escrever as cartas que disse que escreveria para nunca mandar. Verdade seja dita, ainda que não pensada. Falei sem pensar, escrevi sem pensar, bati consciente da dor que causaria, mas não consciente da minha falta de vontade de bater. Verdade seja dita, envelheci dez anos ou mais nesse último mês. Eu que não fumo, pedi um cigarro, implorei um perdão que talvez nem merecesse ter. Verdade seja dita, gostei de pedir perdão, gostei do cigarro e gostei da banda que fez a trilha sonora dessa viagem, a melhor dos últimos tempos da última semana. Pois bem, se não for pra falar a verdade, mentiras sinceras também me interessam.



Meu grande amigo louco,




Eu gosto muito de você! Ontem, naquele encontro de saudades, vontades, sonhos e realidades que se ajuntaram, percebi o quanto eu tinha saudade das minhas lembranças dos fatos que nunca aconteceram. Então, como rainha de um reino de um súdito só, resolvi tomar algumas decisões e gostaria de comunicá-las. Farei isso de forma pública para que todos esses seus amigos das bandas do imortal possam também ouvir. Divulguei então a carta a partir de uma coruja, dessas que não dormem de dia. São eficientes, sabe? Agilizam as notícias.
Pois bem, decidi após a melhor noite dos últimos tempos da última semana, mudar e fazer tudo que eu queria fazer. Me libertar da minha vida vulgar e dar uma chance para essa sua geração insana. A melhor forma que encontrei de conseguir isso foi procurando você. Afinal, somos uma única mente dividida em duas, opostas e conexas, como um espelho. A segunda atitude que tomei foi abandonar meu castelo e deixar a coroa de rainha. Enquanto não arrumo outro rumo, ainda moro por lá, no reino tão distante, mas construí uma ponte de acesso rápido pra facilitar as visitas. Você não precisa mais usar tapete, nem pegar carona em estrelas, tem sido bem mais fácil chegar até lá.
Entre sapos e príncipes, resolvi ficar com a cerveja e me juntar ao seu grupo de loucos. Espero que me aceitem apesar de careta. Mas careta até o diabo é. Descobri isso quando lhe ofereci o cigarro que você me deu e ele não quis aceitar. O encontrei quando o inferno entrou pela porta da frente que você deixou aberta ao sair.
Era isso que queria te dizer, te avisar que eu passei um tempo andando no escuro procurando respostas onde eu jamais acharia. Apesar de ser a causa e a saída de tudo, não conseguia achar o caminho de volta. Mas aí veio a chuva, caiu como uma luva na minha casa, na minha cara, um dilúvio, um delírio. Resolvi, a partir disso, pagar pra ver aonde vai nos levar essa loucura. Pois bem, estou de volta.



Loira

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Do lado de cá

Provavelmente fiz ontem a maior viagem de todos os tempos. Peguei um táxi em Neverland e mergulhei nas profundezas de minha mente, nos meus mais detalhados sonhos, procurando algo que eu não sabia bem o que era. Como aquelas vontades de comer algo que ainda não existe ou de ir pra algum lugar capaz de acabar com o tédio do msn sem você. Fui longe, longe. Bem além dos outdoors.

Fui pra Europa, entrei num pub inglês. Pedi uma cerveja alemã e cigarros italianos. Encontrei um desenho no meu bolso, um isqueiro e um chaveiro escrito 'love'. Almocei um bacalhau delícia e me satisfiz com o café na França. By the way, Made in Brazil. Tomei um whisky escocês e pernoitei num luxuoso hotel em Bilbao. Procurei em todas as gavetas do criado-mudo e não encontrei.

Acordei e pensei estar realmente acordado, mas senti a brisa européia no cabelo já castanho. Enfiei a mão no bolso do casaco e tirei um bilhete de loteria, da EuroLotto. 22 01. 2 2. Duas vogais, duas consoantes, um sentimento. Mas ainda não era isso que eu estava procurando. Paro um outro táxi, jogo o cardigã no banco de trás e mando tocar pro mar. Quem sabe está lá, ou a maresia me inspire. Abro o porta-luvas do carro, por via das dúvidas. Uma latinha de remédio, daquelas redondinhas, de metal. Não era isso.

Chego na praia, tiro a camisa, xadrez. Algo diferente do lado esquerdo do meu peito. Uma pintura, recente. Na verdade um nome. Esboço um sentimento que Wolverine deve ter sentido. Mas não. Esse desenho eu permiti que fizessem. Era isso que eu procurava. Procurei em cofres, gavetas, porta-luvas e latas, e esqueci de procurar em mim mesmo. No metal da minha pele, um nome.

Me acordo, agora de verdade. Estou numa cadeira, no sol. Olho pro meu peito e não tem nenhuma tatuagem. Era pra ter. Escuto a voz grave do meu pai: 'Tá do lado de dentro.' Outro assunto, com outra pessoa. Mas me basta. Já encontrei o que eu queria encontrar.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Anacrônico

Acordo e corro para uísque e acendo um cigarro. O sol queimando lá fora. E que se foda o tudo igual, escolhi isso por que é assim que quero viver. Foda-se aqueles cartões de ponto. Foda-se o maldito horário de todos os dias. Que os pequenos centavos pinguem em minha conta e que meus livros sejam vendidos. Que se foda tudo do mesmo repetidas vezes durante anos. A vida tem que ser um grande fim de semana todos os dias.

Viajo por aí bêbado, nem me lembro mais a sensação de estar completamente sóbrio. Sou aquilo que você chama de mau exemplo para os jovens de hoje em dia. Que ironia, o mau exemplo é você. Vejo a inveja em seus olhos, queria isso, o fim de semana todos os dias, em especial a sexta, quando o bom exemplo de pai mente para a família que tem muito trabalho no escritório para foder com a secretária na suíte de um motel.

Entendo sua raiva, sua filha ama literatura e quer me dar. Teu filho sabe tudo sobre você e te acha um merda. Que viva a grande hipocrisia da vida. Toquem assim a sociedade, que daqui, do 5° andar, sinto o fedor exalado pelas catedrais. Sai com putas, mas no almoço de domingo diz que a prostituição é um mal nesse país.

Você escolheu ser assim. Escolheu esconder sua vida louca de anos atrás. Escolheu esconder no baú sob a cama suas mazelas de hoje em dia. Vá lá, é segunda, finja tudo outra vez, por mais uma semana.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

C'era un ragazzo che come me amava i Beatles e i Rolling Stones





A festa da geral

Volta pra casa, me traz na bagagem, tua viagem sou eu. Essa música não para de tocar na cabeça de um goiano em Porto Alegre, no meio do estádio olímpico. Ele e mais uns 40 mil. Loucos, jornalista, médicos, bêbados, todos do hawaii. No alto pendurada a bandeira que a geral fez para o Humberto, esse sim um ídolo, de músicas que nunca irão tocar, de cartas que eu nunca vou mandar, daquela faixa de capitão que nunca irei pegar. Frio e silêncio lá pras bandas do imortal. De repente uma agitação.Um tambor. Tum-Tum. On and on. É o aniversário de onzenta e um anos das bandas do imortal. Todo ser criativo que não consegue criar deve pular e louvar seus hábitos de sintetizador. A eterna arte de ser medíocre, como ele da bandeira longe longe lá no alto, Gessinger.
Ele, que era um garoto que como eu. Ele, o eterno capitão quixotesco, medíocre potencialmente falho e questionado. De repente um louco vestido de trapos sobe no palo e acende um isqueiro. Todos acendem também. E o tambor continua, tum, tum. E um bêbado sentado lá no canto, aonde alguns miseráveis fumavam drogas, começa a cantar em voz alta. Lá, lá lá ia. Lááá, láláia. E as pessoas começam a repetir. E de repente todos cantando, lá, lá laiá,laláiá. Vamo Vamo Grêmio. Todos começam a pular unísono juntando com o tambor , as luzes se acendem, todos eufóricos e de repente a banda começa a tocar.
A barca negra, o maior sucesso de todos os tempos da última semana. Todos ali, comemorando mais um aniversário, todos que não fumam pedindo cigarros. A bandeira de um garoto como todos aqueles quarenta mil loucos. A bandeira do cara que inspirou cada nota daqueles no palco. Tatuagens, suor, uma camiseta verde, nenhuma camiseta. Cabelos grandes, curtos. Branquinho do shopping, cara de bandido. A magia do espétaculo desce naquele espaço numa profusão de cores sabores, odores e amores. Rimas medíocres, geniais. Tudo ali, azul celeste. Verde por dentro, eternamente. Todos ali para cantar e vibrar.
Acaba o show, tem um louco tomando um chimarrão sentado ao chão. Tem quem tome uma coca e tem quem chore de amor. Tem quem toque uma gaita e tem quem toque um violão. Sento ali no chão, vejo as luzes do engarrafamento, tantas pessoas indo embora da festa. E nós ali, uma, duas horas depois. As luzes se apagam e aquela gaita ecoa solitária e intensa pelas ruas enquanto todos aqueles poucos bêbados divagam. Olho para minha blusa, velha demais. Me lembro de quando eu era um garoto. Me lembro dela. E amaldiçôo minha existência por não tê-la do meu lado.




Anoiteceu em Goiânia.


Em uma cadeira de balanço, numa casa vazia. Uma jovem senhora, com o mesmo rosto de quando tinha 20 anos. Senta, escute sua música. A chuva vem, as folhas crescem. Caem, morrem. Seu cabelo cada dia mais branco. Não consegue conversar, o silêncio é seu dom. Sente falta de seu amor de outrora, de cabelos menos brancos. Sente falta de todas as palavras que nunca disse por não tê-lo do seu lado. E simplesmente olha apaixonada pela janela, pra sempre.
Pela janela vê uma passeata de torcedores do Goiás. O Goiás foi campeão do mundo. São tão jovens quanto seu amor era quando o conheceu. Tão bobos. Tão apaixonados. Tão jovens.
Delira ao imaginar o brilho em seus olhos e chora de tristeza ao pensar em sua alegria. Ela nunca pensou que viveria para ver o Goiás campeão do mundo. Em algum lugar todas as forças das filosofias de nossa existências, ele deve dar aquele sorriso lindo que a deixou apaixonada.
Se cansou de esperar. Dorme essa noite e não espera que acorde amanhã.









-um ruído, alguém coloca a agulha no disco, e a música começa.
Ele olha pela janela. Seu cabelo enorme, a barba por fazer. A janela embaça com sua respiração. Se lembra dela, seu amor.
Um disparo, Um coração.

No meio do peito, dois segundos. Tudo lentamente se vai. O frio. O amor que volta com o vento. Até o fim.
Era um garoto, que como eu, amava uma garota. Pra sempre.

Quando a música tocar no rádio

Shopping. Observando um garoto que como eu amava Dunhill e Chopp da Brahma. Só que esse garoto tinha cabelos grisalhos e setenta anos de idade. E escutava no rádio uma canção, depois a mesma, depois a mesma. Mudava a estação, dizia que seu ministro ia ajudar. Só que o curioso é que esse senhor com o rádio ligado estava aleatoriamente colado no meio de um shopping. Peculiar, não?

Eu, três dígitos na balança, uma moeda no bolso e uma mancha no pescoço, observo o velho atentamente. É sempre bom fazer esse tipo de coisa, a experiência de vida é mais útil que a inteligência. Uma senhorinha chega, dá um beijo no homem e se senta do lado dele. Ele a abraça carinhosamente. Incrível. Um print screen mental, como provavelmente iria dizer o Samurai. Percebo que a música que toca no rádio dele é a mesma que toca no meu celular.

Tentoentender aquele momento, mais tento inutilmente. Um momento. E só. Desses que valem o ingresso. Cento e oitenta segundos se passam no relógio. Mais cento e oitenta. Saio do shopping e acendo um cigarro. Tragadas fiéis de quem não consegue ser mais direto. Volto e ele ainda está lá. Continuo pensando. E eu, maluco que sou, só chego a uma conclusão, sobre a música, sobre a vida, sobre o momento. Dica: Coração.

É, a conclusão é realmente essa e vem depressa na garganta. As palavras doem de tão agitadas. As letras se movem como se estivessem correndo atrás de uma locomotiva no Texas, se é que lá existem dessas. Toda estrada empoeirada me remete ao Texas. O 'T' passa depressa, assim mesmo, em maiúsculo. Duplo sentido. O 'e' arrasta uma mala com a etiqueta de 'especial'. O 'a' passa voando, alado, como um texto da última semana. A palavra do texto. O 'm' de Monta's passa montado num cavalo marrom, num galope rápido. 'M' de Monta's, de muito, de mesmo. E o 'o' de olhar, aquele castanho-tempestade que você tem quando acorda do meu lado. As letras correm numa sequência clichê. Na velocidade de uma vida. E a vida tem sempre razão.

Me viro do avesso e o simpático velhinho repete as minhas letras no ouvido da vovó. Ela muda a estação e sintoniza no Outono, na mais perfeita sintonia. Ele ouve um pouco e desliga o rádio. Ela não se incomoda. Por que sabe que mesmo quando o rádio estiver desligado, a música deles vai estar tocando. Por que certas músicas nunca param de tocar.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Só li dão Solidão


Quando olho e imagino, é Solidão

Quando durmo e sonho, só li dão
Quando digo que não quero, é Solidão
Quando me dizem que não, só li dão
Quando morro e desapareço, é Solidão
Só li dão solidão, até que tudo chegue ao fim.




Só.....

segunda-feira, 12 de abril de 2010

E quem precisa de ficção?

Gravata. Melhor não. Sem gravata. Acabou a gravata, não tem mais gravata. Muito gordo pra usar... gravata. Ajeito a camisa aleatoriamente escolhida num amplo universo de três peças. Vida de jornalista. Eu podia ter sido matemático. Só assim pra conseguir pagar as contas. Ou ter sido jogador de futebol. De botão, claro.

Todos os sinaleiros estão fechados, que beleza. Vontade dar uma castanhada nessas porcarias luminosas. Preciso de um cigarro, mas o acendedor do carro não funciona e alguém lá da rádio roubou meu isqueiro. É preferível que o cara ouça Belo do que roubar isqueiros. Encosto o carro, abro o capô e acendo no motor quente.

Chego no estádio, deveras bonito. Vermelho e branco, se opondo ao verde esmeralda. Da grama. Queria estar no meio da torcida, tomando uma breja com a Joelma. Mas não. Entrada lateral, e me dirijo ao lugar que me foi previamente designado: A cabine mais gelada de todos os tempos do último campeonato. Tudo funcionando, mais um cigarrinho, começa a transmissão.

Puta merda, marcador filho da puta! Gol do Santa Helena. Queria ter narrado assim, mas não posso, sou um dito cidadão respeitável que ganha quatro mil cruzeiros por mês e preciso narrar dentro dos conformes. Um a zero. Porra. Intervalo de jogo. Café, cigarro, tensão. Tensão, cigarro, café. Falta pro Santa Helena. É caixa. Caralho.

Pênalti pro Vila. Gol, caceta! Finalmente, narrei como deveria. Mas, alegria de jornalista dura como uma EP, contra-ataque do Santa Helena, gol. Barbante queimado, Três no um. Sangue na garganta. Deixo cair e mancho o microfone de vermelho. E juro que nunca mais narro futebol.



Podia ter sido assim.



Mas ainda bem que não foi.



E quem precisa de ficção?


sexta-feira, 9 de abril de 2010

O nosso jorhaw

É engraçado como o blog Jornalistas do Hawaii foi tomando, cada vez mais, um caráter subjetivo em detrimento do “jornalismo sério”, objetivo e racional. Poetas prepotentes, cronistas crônicos, vagabundos e pecadores... Todos errando aqui por essas linhas pretas sobre o fundo branco.

Não leio notícias, colunas, artigos. Não bebo política nem mesmo engajamento. Afundo, afinal, em fragmentos de impressões e emoções, cotidianos verdadeiros ou forjados, cartas amassadas e jogadas na rua para serem colhidas depois por outros seres andantes que, já há algum tempo, abandonaram a ética linear.

É, não parecemos jornalistas... Mas aí vem a parte “do Hawaii”, e isso talvez faça toda a diferença. Batemos no peito e gritamos o que nem todos conseguem ouvir – hora por negligência, hora por causa de nosso peito falho – e dizemos NÃO, NEM VEM QUE NÃO TEM: NEM TODO SENTIDO É OBRIGATÓRIO!

Queremos derramar aqui o que professores rejeitariam, o que nossos pais não entenderiam, algo de que os cultos ririam, e muito que muitos vaiariam, como vaiaram Caetano, e vaiaram Gilberto, e não calaram ninguém. Lugar de nos humilharmos e de sermos prepotentes, como quando nos comparamos a Caetano e Gilberto...

Barcas, mendigos, loiras, desenhos, corujas, malucos, velhos, crianças, ativos, ausentes. Um exército de meio homens, meio mágoas, meio a meio. Citando as mesmas palavras de outra canção em outro contexto, com textos e mais textos e mais textos que gritam para serem digitados assim, simplesmente, sobre o fundo branco do jorhaw.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Nem sei do que estou falando...


O amor... (repetidas vezes)

Alguma vez tentaram te explicar o que é amor? O que é amor afinal? Como se ama? Como saber se é amado? Amor por quanto e até quando? Quantos tipos de amor existem e quantas vezes se ama na vida? Inquietação...
Ninguém consegue definir com precisão que diabos de sentimento é esse, até porque, cada um ama de um jeito. Não adianta querer entender, você sempre vai equivocar-se em relação ao amor em algum momento.
Uma coisa é certa, é muito, mas muito fácil confundir o amor. Na verdade, o amor é uma grande confusão. O amor é a espera, o silêncio, a paciência... É a dúvida, o medo e a insegurança. O amor é tudo aquilo que normalmente deixa o ser humano desarmado. Diante do amor o homem não é nada. Não é o homem que sente o amor, é o amor que sente o homem.
Acabam-se as forças, vão-se os conceitos, desacelera a teimosia. O amor definitivamente chega pra mudar quem você é. Pelo menos enquanto estiver cego. O amor é catarata que cobre a visão. O amor é insano. Existem coisas que você só faz quando ama...
Mas, uma vez eu ouvi que amor de verdade é para sempre. Acreditei logo de cara, achei lindo. Porém, sempre soube que não existe para sempre. Já isto, nem é tão lindo assim. Então, se não existe o “para sempre”, o amor nunca será de verdade? É isso? Ah, que embaraço o amor me causa. Porque um dia tudo acaba, a única certeza é de que existe um fim e só não termina o que nunca começa. Às vezes penso que o amor é apenas o começo, toda vida começa com amor, mesmo que muitas se percam durante o caminho. O amor é um início.
Eu acreditei que o amor não passa de um estado, quase que uma patologia, seja crônica ou não. É, acreditei nisto. O amor é inerente ao ser humano. Mas alguns apresentam uma imunidade maior. São mais resistentes, ou acham que são. Muitos amam e nem sabem que amam, e melhor, são amados bem do jeito que são, e nem se quer são gratos por tamanho privilégio.
Alguns se negam a aceitar, não admitem, não assumem, são fortes demais para amar. Esses sofrem. Sofrem porque é bem isso que o amor quer: provocar! Provocar o que muitos chamam de covardia. Mas, a maioria prefere chamar de coragem. O amor se contradiz. O amor é o pai da contradição. O amor é um teste, uma prova, que não há ninguém te julgando, além de você mesmo. A nota para o seu amor é você quem dá.
O amor me deixa sem palavras. Aliás, amor é faculdade sem fundamentos teóricos. Ou você aprende na prática ou não vai saber nem dizer que uma vez ou outra, amou de verdade. O amor é um incômodo. O amor é como cócega, te faz sorrir feito bobo, mas sentir sempre causa certa fadiga. O amor é uma lição, quem sai vivo, sai mais forte e sabe sobreviver. O amor é desapegado, mas amar é apegar-se ao extremo.
Não existe prova de amor, não espere isso de ninguém, nesta espera há um erro que muda todo o contexto bonito que inventaram pro amor. Qualquer um é capaz de amar, o direito de amar é livre. Por isto, não faça do amor um sinônimo de exigência. Não coloque a culpa do amor que sente em ninguém, se você ama a culpa é sua, se é amado, a culpa é sua também. Se é que existe algum tipo de culpa. Amar não é uma desculpa. Amar é se conhecer e ser responsável por si mesmo. Só assim, se pode chegar aos outros.
Eu não sei do que estou falando. Eu não tenho certeza de nada. Não acredite em nada do que eu disse a respeito do amor. Ou acredite se quiser. Concorde ou não comigo. Ame se quiser. O amor é um risco, estar vivo é um risco. Como garantir o que pode ou não acontecer? Felizmente, nós não sabemos. O ser humano preza e necessita de riscos pra se sentir vivo, e quando ama, ou acha que ama, mais do que nunca a vida lhe parece muito mais viva, literalmente. Permita que a experiência do amor se manifeste em você, do seu modo, você não deve satisfações á ninguém. Mas permita-se ao amor. Repetidas vezes se quiser e puder. O amor é o que o tempo mais precisa para aquietar tudo aquilo que lhe inquieta. O amor...

Vanessa Mayane Melo Valente

Goiânia, 08 de abril de 2010.

Depois de um bom tempo sem produzir, sem postar nada aqui, eis que hoje eu parei para escrever. Escrevi nada com nada... e este nada está escrito ai. Beijos e até a próxima parada!

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Noite no teatro

A cadeira de expectador me prende como uma cadeira de rodas. Antes fosse uma cadeira de rodas, móvel e impetuosa. Meu assento almofadado é tão estático quanto os olhos úmidos da platéia. A arte, a vida e o movimento interpretam a si mesmos no palco, e somente a arte de observar a tudo, quieto e pálido, executa-se por meio de minha alma trêmula.

Cabe a mim invejar o artista, rei e mago do teatro, cujo teto são estrelas místicas e a bruma amórfica seu chão. Entra a cantora com suas pernas cálidas, voz e saia de veludo e lábios elásticos. Pareço flutuar em uma clave de sol, subindo meio tom a cada nota sustenida, movendo-me, sem rumo, ao som de semifusas.

Minha consciência anula-se, como se ébria, e címbalos dourados com seu som de éter espalham-se no ar numa cadeia cíclica. Minha pele se enrubesce e responde à magnética melodia com um arrepio – cada pêlo se faz também platéia, aplaudindo de pé ao espetáculo onírico. E a lua dança no céu de ébano.

Afasta-se de mim todo caráter sólido, altero minha freqüência para tons amenos de ciano ingênuo, unindo à meia luz desse castelo clássico a minha forma turva de fantasma cósmico. Espero impregnar-me de texturas tímbricas, fazer-me um tijolo da parede sônica, me debater nas ondas de um hammond aquático.

Faz-se silêncio.

A platéia se levanta e meu banco está vazio. Austero, me debruço na abóboda celeste. E não sou mais eu, mas a arte em mim.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Há palavras que nunca são ditas


Magno post mortem

Quero um "The Best Of” post mortem
E que cantem meus melhores momentos
Em meu momento derradeiro

Editem minha vida com esmero
Glamurizem minha angústia
Reflitam sobre os conflitos

Construam uma lenda, um mito
Escondam o que foi mal-feito e pobre
Mas não tudo, para não perder-se o charme

Riam, complacentes, da minha indolência
Chamem de cautela minha covardia
De racionalidade, minha frieza

Canonizem minhas piadas, meus atos
Como num templo
Como num teatro

Ensaiem aforismos para cada pá-de-terra
Façam com que eu seja, finalmente, um Grande Homem póstumo
E que meus vermes pensem que estão comendo carne nobre

Que assim seja
E se repita
Saecula saeculorum

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Pendrive

No embalo das rodas da minha bicicleta, descia eu sem freios pelo rua sem carros. Abri os braços , senti a brisa fresca no meu rosto e fechei meus olhos. Aquela sensação parecia durar horas, mas sabia eu, que não dariam nem dez segundos pra ir de cara no muro. Foda-se, aquela brisa no meu rosto me fazia lembrar de coisas tão boas que, nem o perigo de poder morrer no baque do muro, me fez botar as mãos no guidão para desviar daquela morte certa. Tão poucos segundos e minha visão havia oscilado. Abri os olhos e estava eu ali no chão todo ensanguentado, todo quebrado, desfigurado, irreconhecível. Tentei fazer-me levantar, segurando pelo braço e puxando para um lugar onde as pessoas pudessem me ver, não saia do lugar, muito pesado. Aquela brisa fria no meu rosto agora não era nada, não sentia nem o cheiro de morte do meu corpo ali estirado no chão, não sentia as dores das feridas no meu corpo, não sentia nem meu coração bater dentro de mim. Caminhei para um mundo sem volta, minha mãe sempre me disse para nunca arrepender-me das próprias decisões, mas agora me arrependo disso. Quero voltar, quero viver. Sai correndo para o rumo do barulho no outro quarteirão, vi inúmeras pessoas, todas mal vestidas, umas cobertas de sangue, assim como eu, e todas caladas esperando a sua vez. Olhei para o começo da fila, vi um cara gordo de óculos, uma barba mal feita, a camisa branca aberta no quarto botão, sentado num escritório meio improvisado ali no meio da rua. Fui andando rumo aquela mesinha cheia de envelopes com muitos papéis e perguntei ao homem gordo, " o que vocês fazem.." e o homem gritou sem deixar eu completar a pergunta, " vá lá pra traz e espere a sua vez ". Eu me assustei com aquela tremenda grosseria do cara, e as pessoas que antes estavam cabisbaixas, olharam pra mim todas ao mesmo tempo. Fingi que meu cadarço havia desamarrado, abaixei e desfiz o nó e refiz-o novamente. Levantei andei até o fim da fila e esperei. Como toda fila demorada, essa não andava nem um passo sequer. Esperando lá, mas sendo eu muito inquieto, fui mexendo nos meus bolsos e achei algumas coisas, duas bolinhas de papel, algumas moedas, uma foto 3x4 de uma menina e um pendrive. Coloquei tudo na minha mão e tentei descobrir porque tudo aquilo estava no meu bolso. Fui tentando lembrar das coisas que tinha feito antes do meu acidente, mas não lembrava nem o que eu tinha comido no café da manhã desse dia. Desenrolei uma das bolinhas e li o texto que estava escrito ali. Depois de dois minutos lendo a carta, me lembrei de alguns flashes do que tinha feito naquela manhã de domingo. Tinha dormido na casa de uma mulher muito bonita, loira, engraçada, risonha, que estudava na mesma faculdade que eu. Não me lembro bem os detalhes da minha vida, pois mesmo me lembrando vagamente do acontecido, lembrava claramente daquele belo rosto. A foto 3x4 era dessa mulher, olhei para a foto e pude ter certeza que a casa onde eu estava nessa manhã era dessa mulher. Desenrolei o outro papel e li atenciosamente o outro texto, percebi que a carta era algo triste, algo que teria acontecido e fez com que essa mulher escrevesse pra mim, mas antes aquelas palavras de amor, agora palavras de ódio, raiva e desprezo. Embaralhei tudo que tinha lembrado naquele momento, não sabia se éramos um casal, éramos amigos, namorados, não me lembro. Aquela fila decidiu dar um passo depois de uns trinta minutos. Não me preocupava mais aonde eu estava e por que, não sabia se aquela fila era pro céu ou pro inferno, mandei todo mundo tomar naquele lugar e saí correndo. Corri morro acima, tudo que eu havia descido em dez segundos agora eu sentia na pele aquela subida extremamente inclinada. Coloquei tudo de volta nos bolsos, mas deixei a foto na palma fechada da minha mão. Isso tudo me fez acreditar no que eu não tinha certeza dos fatos. Sai virando ruas e ruas sem muita atenção aonde virava, mas algo no fundo, no fundo do meu coração me fez acreditar que aquele era o caminho certo, que as ruas que virei eram como se algo pontilhasse no chão gotas imaginárias, me fazendo correr mais e mais até chegar num portão vermelho. Assim como eu corria sem saber, mas sabendo inconscientemente aonde ia, fora também o mesmo sentimento que fez-me parar ali de frente aquele portão vermelho. Olhei pra cima daquele portão, tinha uma janela muito alta, uns quatro andares acima que me fez lembrar de algo, que me fez olhar para aquela janela. Tudo naquele momento até então não fazia sentido algum, mas sabia que tudo tinha sentido. Toquei o interfone daquele portão e esperei uns segundos, uns dez segundos se passaram e minha ansiedade não me deixava esperar nem mais um segundo, toquei novamente e me sentindo o homem mais feliz e bobo de todos os tempos, toquei o interfone no tom de cantoria, na esperança de provocar irritação de uma pessoa que poderia estar dormindo e se acordar com essa barulheira do maldito interfone. A minha impaciência era gigantesca e dei uns três toc-tocs no portão, fazendo aquele barulho, mas batendo no portão algo cai no meu pé. Olhei pra baixo e o objeto meio metálico tinha caído no trilho do portão. Abaixei peguei aquilo, visto que era um chaveiro com duas chaves. Olhei para a chave e sem muita dúvida abri o portão sem errar a chave com a fechadura, entrei, tranquei novamente e andei rumo a escada em espiral no final do corredor. Parei de baixo da escada, olhei pra cima, e meio sem paciência fui subindo rapidamente pulando dois degraus por dois degraus. Cheguei em menos de dez segundos no quarto andar, em meio a quatro portas olhando inconscientemente para uma delas fui abrí-la. Dei duas voltas na fechadura e dei um empurrãozinho na parte de baixo da porta para desemperrá-la que já estava cedendo a um tempo. Como eu sabia daquilo tudo não sei, só sei que sabia. Fui andando rumo ao quarto, abri a porta que estava entreaberta e olhei curiosamente para todos os lados procurando alguma coisa, e nada eu via. Olhei na cozinha e nada, andei por todo apartamento e não achei nada, aliás, não achei minha loira da foto, escritora daquelas cartas. Tirei tudo do bolso novamente e pegando tudo algo ficou meio preso na minha mão, que cai no chão. O pendrive. Ele era meio detonado, a pontinha dele estava suja, a chave que recolhia a ponta estava quebrada, em meio de tudo aquilo, a única coisa que eu não era ciente da existência, era aquele trem todo fudido que tinha acabado de cair no chão, quebrando mais um pedaço da capinha que revestia o HD já toda estragada e arranhada. Abri minha mala que tinha começado a fazer antes de me aventurar morro abaixo naquela bicicleta sem freios, peguei meu MacBook , botei o pendrive no buraco do USB, e em dois segundos abriram quatro pastas, uma com o número um, outra com o dois, depois três e quatro, todas na ordem. Cliquei duas vezes na primeira pasta e abriram-se umas fotos. Selecionei todas as fotos comand+A, com o botão direito do leptop abri as fotos no modo de visualização, olhando minha linda mulher dos cabelos louros, me senti melhor, mais muito melhor do que quando estava em cima da bicicleta com aquela brisa nos olhos. Fiquei muito feliz em ver aquelas fotos, visualizei todas, e abri a segunda pasta, mais fotos da minha loira, só que dessa vez eu estava nas fotos junto com ela, olhei todas e abri a terceira, mais fotos minhas junto com minha loira. Na quarta pasta, senti que algo afetou meus breves momento de felicidade naquele instante em que via as fotos, como sou um ser humano como outro qualquer, pressenti que algo revelador viria a ser uma surpresa absurda. Sem enrolar demais, dei dois cliques na pasta e um movie, o quicktime movie estava ali. Mais impaciente ainda abri o vídeo. Minha loira tinha feito um vídeo, e já começou falando. " Estou aqui para te dizer que espero-te na fila, somos os próximos, não se atrase, temos muita vida pela frente", ela com o seu humor negro, quando falou "vida pela frente" ela fez o gesto de quando se colocamos aspas nas palavras que falamos. Aquilo tudo começava a dar sentido, mas eu na minha primeira atitude antes de pensar em qualquer coisa, corri novamente para aquele lugar, sai descendo as escadas mais rápido que tinha subido-as, e peguei a bicicleta sem freios da minha loira e pelo mesmo trajeto que fiz na vinda eu fiz na volta. Virei a direita a esquerda e cheguei na avenida, sem carros e desci sem freios.

Ainda assim o amor

numa pracinha qualquer,

lá pras bandas do imortal,
havia um ipê florido amarelo,

as flores vieram, se deram e caíram
a árvore que era jovem,
acabou por envelhecer.

Assim como a primavera,
suas flores que se foram,
e muitas outras primaveras,

em outras esquinas de outras canções.


havia um maluco dançando no sinal,
a música que uma banda imortal outrora tocou,

o maluco não dança mais,
a música parou.


e de tudo isso,

sobrou o amor.

o amor da flor amarela de um ipê,
da dança do maluco do sinal,
da música de uma banda imortal.

de tudo isso sobrou meu amor por você,

jovem, ingênuo,
potencialmente falho e mortal,
talvez amanhã não esteja aqui,
talvez nunca mais.
mas ainda assim,

amor.

domingo, 4 de abril de 2010

Num envelope qualquer


Tava com cara que carimba postais, que por descuido abriu uma carta que voltou.


Querida loira das bandas do Imortal,

Um dia me disseram que o algodão doce era feito de nuvens. Que o pop virou papa e que poupava a igreja católica de ser uma banda de pagode. E que o pop não papa ninguém. Andam dizendo por aí que no peito desse velho samurai bate um coração, mas é pura mentira. Elfos malditos, conversam demais. Inventam coisas, cheiram o pó mágico e ficam malucos. Não acredite neles. Eles não existem.

Sabe, esses dias vi o velho urso. Não o Hilton, o urso. Sim, o italiano. O Bartô. Está apaixonado. Amando. E tudo começou com uma carta. Inveja? Talvez. Aliás, não. A mais completa contradição. Se não há nada, por que todos temem perder? Queria ser como ele, às vezes. E ele queria ser como eu. Como Pelé que queria ser Maradona e Maradona que queria ser Pelé. O mais técnico dos volantes, o mais raçudo dos meias. Daí a contradição.

Acontece que ele escreveu uma carta para a menina mais linda do Reino da Puc Encantada e deu certo. Mas foi endereçada, ela sabia que era pra ela. Ela tinha uma certeza. A força deixa a história mal contada. A carta era pra ela desde o início, ela sabia que era pra ela. Ela não fez uma suposição. By the way...

A carta dele foi enviada por uma dessas corujas de linhagem européia, que sabem o que fazem. Alguma coisa que ainda me emocione, como um filme de guerra ou uma canção de amor. Enquanto garotos inventam um novo inglês, aqui estou eu, parado, na esquina. Um maço de Marlboro Red Cosmic no bolso, uma cara embriagada e um autógrafo do Pirlo na manga da camisa. Quem oculta o crime tem culpa, não?

Loira, só queria dizer isso. Que por mais que eu grite, o silêncio é sempre maior. Minha loira das bandas do Imortal realmente mora longe demais das capitais. Num lugar onde você nunca ousaria alcançar. Levo o mundo e não vou lá. Triste vocação, ser banal. Mas, assim como o destino é uma vadia inconstante e a nossa elite se empanturra de biscoito fino, um dia, a minha verdadeira loira das bandas do Imortal irá receber as cartas que sempre escrevo, e nunca mandei. Um dia. Quem sabe hoje. Abraços fraternais.’


É, o italiano Bartô é um sujeito de sorte.

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