segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Concreto e Asfalto

Hoje eu acordei mais cedo, tomei sozinho o chimarrão. Do auge dos meus vinte e sete anos, nunca me senti tão bem, tão vivo. Será que o último dia da vida de todo mundo é assim?
Ontem a tarde fui à casa de meus pais. Não tinha ninguém por lá. Procurar, procurar... Desde menino ouço por alto que meu pai tem uma arma. Nunca vi. Até ontem nunca tinha visto. Ontem eu vi. Uma pistola, não sei bem qual. Suponho que esteja carregada, ou melhor, que tenha pelo menos uma munição. Não precisarei de muitas. E nem sei manusear essa coisa. Sei o básico. Peguei a arma e voltei pra casa.
Imaginei que vinte e sete de agosto não é um bom dia pra morrer, por que o número da minha idade, mas que vinte e oito era um ótimo dia. Estou muito decidido a dar cabo de mim mesmo e nada pode me impedir. Talvez por isso a paz tão grande, eu que sempre vivi na pressão. A certeza de que finalmente posso fazer o que quero me conforta. E será hoje.
Hoje eu acordei mais cedo, tomei sozinho o chimarrão. Fui até a padaria e comprei um maço de Marlboro azul. Uma caixa de fósforos, chicletes Clorets e um chá gelado, mais um. Voltei pra casa e subi.
Moro no quinto andar de um prédio velho do Setor Oeste, na Rua 3. Sou filho de gaúchos. Nadador muito bom, jornalista fracassado. Neto de alemães. Você, a pessoa que me encontrou morto, pode se perguntar: "Porque você não se jogou daqui de cima, em vez de explodir seus miolos e sujar o teto de sangue?" Simples. Vi um sujeito se matar assim e foi traumatizante. O da janela.
Sentei na cadeira de fios da sacada e acendi um cigarro. Fumei. Acendi outro. Fumei e joguei a bituca na sacada do apartamento de baixo. Sempre quis fazer isso. Onze da manhã. Me parece um bom horário pra morrer. Peguei a pistola no maleiro e estou aqui, com ela no colo, escrevendo. Vou deixar a porta aberta pra me encontrarem o mais rápido possível. Marília, te amo. E muito. Se eu fosse sem dizer palavra, será que você escutaria o silêncio me dizendo que a culpa não foi sua? Não se sinta culpada. Espero que essa carta chegue em suas mãos. Aponto a arma pro meu queixo, de baixo pra cima. Eu vou embora agora e espero que você entenda. Não vou ficar, não vou ficar. Fiz o meu caminho, devorei concreto e asfalto.
Um disparo para um coração.
Roberto Neidhardt Borowski, aos 28 de agosto de 2006, onze e treze da manhã.

4 comentários:

Marco Antônio 5 de outubro de 2009 às 21:33  

Massa o texto. Verídico?!?! Não sei... Mas demonstra bem o sentimento de algumas pessoas em relação a vida em determinados momentos.

Plínio Lopes. 5 de outubro de 2009 às 21:40  

Uma vez meu pai me falou uma coisa que é verdade,

a vida é igual um carro viajando,

você tem a gasolina e a distância ser percorrida,se você viaja na velocidade máxima a gasolina vai acabar mais rápido,se você viaja devagar demora acabar mas a distância percorrida é a mesma.

arrepiante o texto monta´s.

Caroline Lucena 10 de outubro de 2009 às 17:19  

pirei, foi vc que escreveu a historia? ela realmente aconteceu?

Yuri Montanini 10 de outubro de 2009 às 20:57  

Foi sim. Aconteceu isso mesmo, lugar, nome, marca do cigarro, nome da guria, data...

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