terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Perfume de mulher.


A cena: Um parque numa capital longe demais das capitais, de um estado que carrega o nome de índios que quiçá existiram.

Quando? Não importa, todos seremos velhos um dia.


Persongens:

Ulisses: Um velho jornalista, bem velho mesmo. Descendente de italianos, Vilanovense, Com a voz rouca de tanto fumar e um barrigão de chopp.

Heitor: Outro velho jornalista, também bem velho. Descendente de portugueses esse. Não tinha um barrigão porque nunca foi muito de beber mas com a mesma voz rouca mutilada pelos programas de rádio.
E um pastor alemão brincando na grama.

Começa a cena com os dois sentados conversando enquanto o cachorro se deleita com a grama fresca.




Heitor: Nossa, olha que moça bonita passando. Me lembra a Melissa, você lembra dela?

Ulisses: Claro, meu Alzheimer não chegou a esse ponto. Afinal de contas, como esquecer.

Heitor: Haha. Me senti até poético agora. Se afinal o que é rock and roll, o óculos do John ou o olhar do Paul, o que é o amor? 150 reais e 50 anos depois se lembrar sentado em um banco de praça ou 150 inesgotáveis dias de saudade e solidão?

Ulisses: Haha, você não muda mesmo. Continua um sentimental. Eu já custo sentir alguma coisa. Me sinto uma máquina velha sem óleo nas juntas e que quando ousa se movimentar chia pra tudo quanto é lado.

Heitor: Eu também, mas esses dias do nada senti um cheiro que fez com que eu me sentisse como se tivesse 19 anos novamente.

Ulisses: Qual?

Heitor: O cheiro dos perfumes das putas. Você se lembra? Aquele perfume sensual, barato, misturado com cerveja e cigarro e um pouco de suor. Ah rapaz, me senti tão pronto como se tivesse 18 anos e tivesse sentado no puteiro da Ricardo Paranhos pela primeira vez. Como se elas tivessem do meu lado com aquela cara misturando graça e tortura por sermos tão jovens.

Ulisses: Esses dias senti um desses também. O cheiro do serra. Todo mundo emparelhado feito boi na fila num calor de rachar de pleno domingão, final contra os moxés. Quando ainda vendia cerveja no estádio. Aquele cheiro de cerveja, de povo, de peão suado e de sol rachando num domingo a tarde. Aquele cheiro de Viiiiiiiiiiila!
Logo senti saudade do meu pai do meu lado na fila. Aquele lá sim gritava Vila como ninguém.

Heitor: É, também já senti o cheiro de um Santana '88 que meu pai tinha, nos divertimos a beça nele.

Ulisses: Sabe, quando se é tão velho acho que é melhor não sentirmos mais nada.

Heitor: É. Deixa pra lá.

3 comentários:

Jéssica Neves 9 de fevereiro de 2010 às 00:37  

Cheiro de vila foi ótimo. kkk
Como sempre ótimo texto. :)

Yuri Montanini 9 de fevereiro de 2010 às 01:01  

'Um velho jornalista, bem velho mesmo. Descendente de italianos, Vilanovense, Com a voz rouca de tanto fumar e um barrigão de chopp.'

Me descreveu daqui há algumas primaveras.

Anônimo 19 de fevereiro de 2010 às 14:20  

Mas... e o cachorro?

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