quarta-feira, 31 de março de 2010

O mendigo de elogios

O mendigo acorda cedo na cidade. Respira a aurora e seu ar de continuação, não de recomeço. A angústia, aplacada pelo sono, já está lá, como uma criança puxando a camiseta do pai, chamando atenção. As noites, se dormidas, não são alívio, pois é como se parássemos de existir. Ao menos eram assim as noites do mendigo: curtas e sem sonhos.

E foi andando pela casa – sim, ele tinha um teto – e engoliu um pedaço de pão – pois pão não lhe faltava – e este desceu seco e amargo na garganta, lento, só de pirraça. Sentiu pena de si. Sentiu ódio ao dia. Foi para seu ponto.

Cada serviço, cada sorriso, cada trejeito, estendeu como quem estende a mão – gelada – à espera de quaisquer infames 10 centavos (falados): sua alma não custava muito caro. E o mendigo, quando com sorte, esticava o pescoço, levava três tapinhas leves na cabeça, ouvia um “bom garoto”. Abanava o rabinho, voltando pra casa ao fim do dia.

0 comentários:

  © Blogger template 'Perfection' by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP