quarta-feira, 31 de março de 2010

Entrevista com uma Jukebox

Resolvi fazer uma entrevista dessas diferentes. Tava cansado dessas palavras de sempre. Cansado de escrever . Cansado dessas palavras banais. Resolvi ir além, já que estamos longe demais das capitais, além dos outdoors e da arquitetura metafísica das catedrais. Nada de Bandeira, Bauhaus, Caetano ou qualquer curta metragem. Resolvi entrevistar uma jukebox.
O local, esse a licença poética define. Pode ser um café desses de um filme ianque aonde pilotos de caça tomam cerveja com seus óculos Ray Ban. Pode ser uma casa das paredes descascadas aonde o bando de peão vai gastar seu dinheiro com suas senhoras. Pode ser uma catedral urbana com conexão wi-fi longe demais das capitais. Pode ser você.
Isso tudo, em Goiânia Alegre.
Comecei perguntando daonde ela veio. Suas luzes já não são tão modernas e infelizmente tem que carregar músicas que já não prestam. Desembarcou em um Porto Velho qualquer, pensando que ia ser sempre nova, jovem. Hoje sabe que as mentiras da arte são tantas. São plantas artificiais. Sabe que seu conhecimento vale 2 reais, se resume a música do século 20 e nada mais. Assim como o sábio da efeologia de Malba Tahan, ela apenas sabe a história do mundo dos últimos cento e poucos anos que uma música, as vezes, deveras, comercial contou.
Pedi que ela me contasse então, como síntese de suas experiências um apanhado geral do perfil dos seus clientes. Algo como, me diga quem te toca por uma nota de dois reais que eu digo quem tu és.
Um garoto de 13 anos querendo saber o que era rock and roll, o óculos do John ou o olhar do Paul. Colocou os dois. Passeou pela necrofilia da arte, sessão completa. Experimentou algumas tendências suicidas com chantily. Ficou lá por 20 minutos que foram uma eternidade. Depois que a música parou, aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer e decidiu trabalhar.
Um prostituta, com a maquiagem borrada denunciando suas lágrimas. Aquele cheiro característico de cigarro cerveja e sexo. Colocou um modão qualquer do interior do Brasil pra fazer sangrar um coração totalmente machucado. Fechou a porta e apagou as luzes pra nínguem ver que ela também chorava. Que esse papo de profissionalismo e falta de amor a camisa é coisa de jogador de futebol. Lembrou dos seus amores, que durassem um segundo ou um ano, suas camas, suas famílias. Lembrou, que uma vez a porta aberta e a luz acesa, era novamente uma prostituta.
Um louco de 20 anos vestindo seus trapos coloridos de sua paixão da cultura de uma massa. Que não tinha medo de nada, muito menos dos avisos de cigarro que avisam que fumar faz mal. Colocou umas músicas pra lembrar da menina mais linda de todos os tempos da última semana. Da menina mais linda de todos os tempos. Pra lembrar que cresceu e que não são meninas mais, são mulheres. Um rock qualquer pra lembrar todos as estradas mal ou não, asfaltadas. Seus buracos e os pedintes na beira da mesma. Pra lembrar das flores que crescem no asfalto. Pra lembrar da batida apaixonante da arquibancada de uma Serra Dourada que pulsa, a batida do seu coração. Uns loucos, aliás. 33, 40, 4, 5, 9, ou mais. Ou menos.
Um pai de família que queria a companhia daquela máquina capaz de tocar música. Pra fugir da rotina urbana. Essa máquina, a versão popular industrial de um velho cigano tocando violino em alguma capital européia, que seu milésimo avô ouviu e chorou, tomando um vinho do Porto. Hoje ele ouvia ali, sentado, lembrando que não fumava, não bebia. Que o seu outrora longíquo sonho da juventude de se aventurar por uma história em quadrinhos com sexo , pseudo ou não intelectualismo, bossa nova e rock and roll falhou. Ouvia aquela música pra se lembrar de como era medíocre e acabou se tornando o famigerado tijolo na parede que tanto temeu um dia quando ainda divagava fumando um palheiro. Divagava sobre a nossa existência. Hoje não tem tempo para divagar. Não fuma mais. Sua esposa não gosta do cheiro, não quer influenciar os filhos. Não tem tempo, está com a mente sempre cansada pra se dispor sobre questões metafísicas. Por dois minutos e uma nota nova de dez reais sacada de um caixa eletrônico conseguiu fugir. Por dois minutos.
Uma mulher, coloca uma música com ares de feminismo, pra se lembrar dos encontros e desencontros daquele que ela julgou ser o amor da sua vida.
Um rebelde, revoltado com a mediocridade da raça humana e como todas as nossas questões banais de uma geração sem ideologias se resume ao amor.
Um bêbado, com uma nota velha amassada. Um louco. Um pintor, um alquimista.
Todos passaram por essa máquina. Chorando suas lágrimas de um século emblemático e que a revolução se tornou um ícone pop de uma camiseta casual.
Depois de tantas almas, tantas vezes, simplesmente simples mentes, eu, um jornalista de 45 anos, com a barba branca por fazer e o cabelo despenteado me cansei de todo esse sentimento que nunca vai parar, desligo o gravador, me sento , pego uma nota e coloco uma música. Me lembro de todas as músicas que eu já toquei, que me encontraram, no elevador, no carro ou em um bar. Partindo de outros corações, sedentos por outras canções, que tinham em si o desgosto de outros lamentos. Penso, logo não consigo viver mais. Sou um homem velho, cheio de saudade. Sou apenas lembranças.

4 comentários:

Pedro Henrique Malta Martins 31 de março de 2010 às 14:44  

texto foda!

Gueixa 2 de abril de 2010 às 22:09  

Oi, Tem selo para os jornalistas la na Gueixa.
bj

Pedro Henrique Malta Martins 2 de abril de 2010 às 23:17  

/\
/\
/\
e nem os jornalistas do hawaii estão livres do capitalismo selvagem (uôô-ô)

Yuri Montanini 5 de abril de 2010 às 13:58  

Texto fodalhonístico, eu procurei uma palavra pra definí-lo e não a encontrei.

MITO, talvez.

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